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Aditivos antimicrobianos na avicultura: além da substituição ao antibiótico

Por Melina Bonato (Coordenadora de P&D – ICC Brazil)

Aditivos antimicrobianos na avicultura: além da substituição ao antibiótico

O uso crescente dos aditivos não antibióticos na produção animal, em especial na avicultura, se deve não somente à necessidade de substituir aos antibióticos promotores de crescimento, mas de novos conceitos serem cada vez mais estudados, entendidos e aceitos. Os aditivos antimicrobianos existentes no mercado são baseados em diferentes princípios ativos e mecanismos de ação, e estes tem benefícios para a microbiota intestinal e para o animal.

Com a descoberta da penicilina por Alexander Fleming em 1928, a humanidade passou a ter uma ferramenta imprescindível para lutar contra doenças infecciosas causadas por bactérias e que até então matavam milhares ou milhões de pessoas. Os antibióticos foram sendo descobertos, isolados e testados, e outros compostos químicos foram desenvolvidos com o mesmo propósito. Porém, uma nova questão surgiu, como lidar com uma eventual resistência bacteriana?

A produção animal também se beneficiou com o uso dos antibióticos no tratamento e prevenção de doenças, já que cada vez mais desejava-se aumentar a produção e produtividade. Na avicultura brasileira que começou a crescer a partir da década de 60, seu uso se tronou imprescindível. No entanto, a mesma questão nos preocupa, porém com um agravante, estamos produzindo carne e ovos de forma segura para o consumidor?

Estas questões são debatidas há alguns anos, em 2006 a União Europeia exigiu o banimento do uso de antibióticos como promotores de crescimento tanto para seus produtores como para importação dos produtos. Neste cenário há estimativas que apontam uma redução no ganho de peso e piora na conversão alimentar, além do aumento do uso e consumo de antibióticos como terapêuticos (QUINTEIRO-FILHO, 2014). No Brasil, o MAPA proibiu o uso de algumas substâncias e regulamenta a dosagem das permitidas como promotores de crescimento.

Com base nesta demanda crescente, diversos aditivos foram surgindo no mercado e sendo cada vez mais estudados em busca de melhora em desempenho, controle de patógenos, saúde intestinal, melhora de status imune e biossegurança do produto final. Com diferentes origens, composições e mecanismos de ação estes aditivos não antibióticos estão cada vez mais presentes na avicultura e sendo cada vez menos encarados como alternativa ao antibiótico, porém, ainda há muitas dúvidas em cada conceito.

Os antibióticos, de maneira geral, tem dois mecanismos de ação sobre o patógeno dependendo de sua composição: bactericida (matam ou lesam irreversivelmente) ou bacteriostático (inibem o crescimento). Isso pode afetar a microbiota intestinal como um todo, inclusive a benéfica, o que pode levar a efeitos não desejados.

Existe uma relação de simbiose entre a microbiota intestinal e o desenvolvimento, maturação e resposta do sistema imune. Durante a fase final de incubação já há a presença de alguns microrganismos no intestino (SANTIN & HAYASHI, 2014) que irão estimular o desenvolvimento e maturação do sistema imune inato, em especial as células deste presentes no próprio intestino. Diversos estudos mostram a importância da colonização de bactérias sobre a maturação do tecido linfoide associado ao intestino (GALT) (KASPERS et al., 2015).

A presença da microflora é reconhecida pelos macrófagos presentes na lâmina própria que podem responder secretando algumas citoquininas pró-inflamatórias que irão por consequência produzir mais macrófagos (KASPERS et al., 2015), assim ajudando na proliferação destas células e maturação. Há uma complexa interação entre a microbiota e o sistema imune, que também irá regular a maturação e resposta do sistema imune específico (humoral).

Com o avanço dos estudos na compreensão da relação entre a microbiota e o hospedeiro, é possível entender melhor os benefícios dos aditivos não antibióticos e consequentemente, utilizá-los da melhor maneira. Alguns princípios ativos disponíveis para uso e com diversos trabalhos científicos comprovando seu mecanismo de ação:

·    Ácidos orgânicos – são ácidos fracos de cadeia curta (C1 – C7) que tem uma constante de dissociação (pKa) de 3 a 5 (VIOLA, 2006). O pKa é a relação da separação dos íons do composto pelo que não se dissociou em água com a adição de uma base, e é totalmente dependente do pH do meio. Ou seja, dependendo do compartimento do trato digestório (variação de 2,5 na moela a 6 -7 no duodeno até o íleo), o ácido conseguirá se dissociar e ter seu mecanismo de ação ou não. Dentre os ácidos orgânicos mais utilizados podemos citar: ácido láctico, propiônico, butírico, fórmico, acético e cítrico.

O mecanismo de ação ocorre pela redução do pH do meio que inibe ou cessa o crescimento e proliferação de microrganismos, e a forma não dissociada do ácido. Esta última é capaz de atravessar a membrana celular do microrganismo e então se dissociar no citoplasma reduzindo o pH intracelular, alterando o metabolismo e aumentando a pressão osmótica, levando a ruptura da célula. A eficiência deste processo está ligada ao tamanho da cadeia do ácido e se este tem característica hidrofóbica para atravessar a membrana celular (VIOLA, 2006; BELLAVER & SCHEUERMANN, 2004). Os ácidos de cadeia curta também podem ser absorvidos pelas células intestinais e utilizados como fonte de energia, podendo ter uma ação trófica indireta sobre as vilosidades.

A composição da dieta pode afetar o mecanismo de ação dos ácidos orgânicos, já que esta pode ter um efeito tamponante. Porém, os ácidos orgânicos podem também ser fornecidos via água de bebida. O uso combinado de vários ácidos orgânicos resulta em uma variação de pKa, levando à uma ampla faixa de atividade (LINARES, 2015).

·   Extratos vegetais – são preparações concentradas obtidas a partir de uma grande variedade de vegetais e são divididos em quatro grupos: ervas, condimentos, óleos essenciais e oleorresinas (WINDISCH et al., 2008). Cada composto é baseado em um princípio ativo que determinará o mecanismo de ação no organismo e dentre estes estão: alcaloides, fenóis, flavonoides, saponinas, taninos, óleos essenciais e cumarinas (MARTINS et al., 2000). Baseado em cada princípio ativo, os principais extratos vegetais utilizados são: canela, orégano, cravo, tomilho, açafrão da Índia, semente de uva, hortelã pimenta, alecrim e alho. As propriedades de cada composto citado acima são definidas como antibacteriano, antioxidante, antifúngico, anti-inflamatório e estimulante da digestão de maneira geral (KAMEL, 2001; BURT, 2004; FASCINA, 2011).

O efeito antimicrobiano vem do potencial hidrofóbico dos óleos essenciais que se ligam na membrana celular bacteriana e desintegram as estruturas desta e causam o escape de íons; ou seja, afetam a permeabilidade da membrana citoplasmática, transporte de íons e etapas da fosforilação, desnaturando e coagulando proteínas (WINDISCH et al., 2008). Porém, de acordo com Burt (2004) os extratos vegetais e os óleos essenciais são mais eficientes contra as bactérias Gram-positivas, pois as Gram-negativas possuem uma membrana externa que envolve a parede celular, o que limita a difusão dos compostos hidrofóbicos através da sua camada de lipopolissacarídeos.

O uso combinado de extratos vegetais pode ser interessante já que combina diferentes modos de ação e resultados no metabolismo animal.

·   Probióticos – são organismos vivos benéficos ao hospedeiro que são capazes de equilibrar e melhorar a microbiota intestinal. Os mais comumente utilizados são Lactobacillus, Bifidobacterium, Enterococcus, Bacillus, Streptococcus e algumas espécies de leveduras como a Saccharomyces (QUINTEIRO-FILHO, 2014).

De maneira geral o modo de ação dos probióticos está relacionada a competição por sítios de ligação e exclusão competitiva, onde ocupam sítios de ligação ou receptores no epitélio intestinal, formando uma barreira física que impede outras bactérias se de aderirem; tendo assim maior capacidade de metabolizar nutrientes e se reproduzir que as não aderidas, competindo também por nutrientes. Outro modo de ação é a produção e liberação de substâncias bactericidas, como bacteriocinas, ácidos orgânicos (que atuam na redução do pH do meio ou penetram na célula bacteriana) e peróxido de hidrogênio. Além da competição por nutrientes e modulação do sistema imune (reconhecimento pelos macrófagos e multiplicação destes e outras células) (QUINTEIRO-FILHO, 2014).

A eficácia dos probióticos adicionados nas dietas está relacionado com sua produção, já que este deve permanecer viável durante todo o período de manuseio e armazenamento, além de resistir aos processamentos de extrusão e peletização que envolvem altas temperaturas.

·    Prebióticos – são em sua maioria carboidratos não digestíveis, principalmente os oligossacarídeos como frutoligossacarídeos (FOS) e mananoligossacarídeos (MOS) (ANDREATTI FILHO & OKAMOTO, 2015). Há também alguns peptídeos, lipídeos e proteínas que podem ser utilizados como prebióticos.

Os FOS são encontrados em plantas e vegetais, e as formas mais comuns comercialmente são fruto-oligossacarídeos, isomalto-oligossacarídeos, galacto-oligossacarídeos, transgalacto-oligossacarídeos, inulina e oligofrutose (HAJATI & REZAEI, 2010). Já os MOS são extraídos da parede celular da levedura Saccharomyces cerevisiae. Por serem carboidratos não digestíveis estimulam o crescimento e atividade de bactérias benéficas, já que servem de substratos para estas se multiplicarem e competirem com as bactérias patógenas por sítios de ligação, exclusão competitiva, etc. O aumento das bactérias benéficas também vai ajudar a modular o sistema imune.

A parede celular de levedura contém além dos MOS (em torno de 20%), também uma quantidade significativa de β-glucanas (em torno de 30 – 35%), que é um carboidrato de cadeia longa e indigestível. Este carboidrato é comumente encontrado na parede celular de outros microrganismos e é reconhecido pelos macrófagos presentes no intestino, resultando em uma reação em cadeia do sistema imune inato que leva a uma maior produção de macrófagos, aumento de células caliciformes (maior produção de mucina), entre outras reações. Esta modulação do sistema imune ajuda numa resposta mais rápida do animal frente a possíveis contaminações por patógenos.

Os MOS também atuam aglutinando bactérias que possuem fímbrias tipo I, evitando estas de se aderirem na parede intestinal, sendo eliminadas junto a excreta.

·   Associações – o uso de associações como probióticos e prebióticos (simbióticos), ácidos orgânicos e prebióticos, entre outras, tem-se mostrado promissora, já que resulta em uma ampla faixa de atividade dos produtos e muitas vezes há um sinergismo entre os princípios ativos.

Ainda há muitas dúvidas sobre estes mecanismos de ação e sobre a complicada interação da microbiota com o hospedeiro. Porém o conhecimento do mecanismo de ação de cada produto pode levar a um uso mais eficaz e consciente, podendo também ser usado como ferramenta em momentos estratégicos. O processamento, pureza, forma de apresentação e uso, e dosagem vão determinar os resultados de cada princípio ativo. As alternativas apresentadas aqui são atuantes sobre a microbiota intestinal e saúde do animal, que como resultado levam a uma melhora de integridade intestinal e status imune.

Aliar nutrição, sanidade e manejo ao uso consciente destes aditivos, pode resultar na melhora dos índices zootécnicos, especialmente frente aos desafios, e um produto final de qualidade e seguro para o consumidor.

 

Referências

ANDREATTI FILHO, R. L.; OKAMOTO, A. S. Probióticos & prebióticos. In: CONFERÊNCIA FACTA 2015 DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA AVÍCOLAS, 2015, Campinas. Anais…p. 1-8.

BELLAVER, C.; SCHEUERMANN, G. Aplicações dos ácidos orgânicos na produção de aves de corte. In: CONFERÊNCIA AVISUI, 2004, Florianópolis. Anais…p. 1-16.

BURT, S. Essential oils: their antibacterial properties and potential applications in foods–a review. International Journal of Food Microbiology, v. 94, n. 3, p. 223-253, 2004.

FASCINA, V. B. Aditivos fitogênicos e ácidos orgânicos em dietas de frangos de corte. 175 f. Tese (Doutorado em Nutrição e Produção Animal) – Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2011.

HAJATI, H.; REZAEI, M. The Application of Prebiotics in Poultry Production. International Journal of Poultry Science, v. 9, n. 3, p. 298-304, 2010.

KAMEL, C. Plant extract in an integrated approach. Feed Mix, v. 9, n. 6, p. 23-25, 2001.

KASPERS, B.; LETTMANN, S.; ROELL, S. Development of the gut associated immune system. In: 20th EUROPEAN SYMPOSIUM ON POULTRY NUTRITION, 2015, Praga. Proceedings…p. 1-4.

LINARES, L. Desafíos nutricionales con uso limitado de aditivos: eliminación del uso de antibióticos. In: CONGRESSO LATINO AMERICANO DE AVICULTURA, 2015, Guayaquil. Anais…p. 1-9.

MARTINS, E. R.; CASTRO, D. M.; CASTELLANI, D. C. DIAS, J. E. Plantas Medicinais. Viçosa, MG: Universidade Federal de Viçosa, 2000. 220p.

QUINTEIRO FILHO, W. M. Probióticos: mecanismo de ação, eficiência e custo-benefício. In: CURSO FACTA SAÚDE E INTEGRIDADE INTESTINAL, 2014, Campinas. Anais…p. 1-21.

SANTIN, E.; HAYASHI, R. M. Microbiota intestinal e suas interações imunológicas e melhoradoras da saúde intestinal e índice de saúde intestinal. In: CURSO FACTA SAÚDE E INTEGRIDADE INTESTINAL, 2014, Campinas. Anais…p. 1-15.

VIOLA, E. S. Uso de acidificantes em dietas de frangos de corte: resíduos no trato digestivo e efeitos sobre o desempenho animal e morfologia intestinal. 196 f. Tese (Doutorado em Zootecnia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

WINDISCH, W.; SCHEDLE, K.; PLITZNER, C.; KROISMAYR, A. Use of phytogenic products as feed additives for swine and poultry. Journal of Animal Science, v. 86 (E. Suppl.), p. 140-148, 2008.