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Comentário

Colistina na produção animal - Por Jacqueline Boldrin

Jacqueline Boldrin  de Paiva é Coordenadora de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação BioCamp, Mestre em Microbiologia Agropecuária pela Unesp de Jaboticabal e Doutora em Genética de Microrganismos pela Unicamp

Colistina na produção animal - Por Jacqueline Boldrin

Em novembro do ano passado um grupo de pesquisadores chineses realizando um monitoramento de rotina na prevalência da resistência a antibióticos em estirpes de Escherichia coli comensais (bactérias não patogênicas) isoladas de alimentos, perceberam um aumento rápido e importante na resistência a colistina nestas cepas. Até então, o mecanismo de resistência a colistina conhecido era pouco frequente, pois se dava por uma mutação aleatória no DNA cromossômico das bactérias. A resistência associada ao cromossomo é pouco comum e transferida apenas hereditariamente da bactéria mãe para as filhas.

A alta prevalência de resistência a colistina encontrada pelos chineses era incomum e parecia estar relacionada a um novo mecanismo de resistência. Ao investigarem, encontraram em uma estirpe de E. coli isolada de suínos um novo mecanismo de resistência, um gene que denominaram mcr-1 contido em um plasmídeo. Plasmídeos são fragmentos de DNA circular, independentes do cromossomo, que as bactérias de mesma espécie ou de espécie distintas podem trocar entre si (transferência lateral).

Os chineses então passaram a investigar a prevalência do gene mcr-1 em E. coli e Klebisiella pneumoniae isoladas em várias províncias da China entre 2011 e 2014 para ter ideia do grau de disseminação da resistência. Eles verificaram que as amostras de E. coli isoladas de suínos amentaram positividade para o gene mcr-1 crescente ano a ano, já as amostras de E. coli e Klebisiella pneumoniae provenientes de pacientes humanos mostraram baixa frequência na presença de mcr-1, mas as amostras positivas já se mostravam presente nas infecções humanas.

A alta prevalência do plasmidio de resistência a colistina em amostras de E. coli isoladas de porcos e de carne suína  sugeriam que a resistência já estava disseminada na criação de animais.

Os pesquisadores chineses então alertaram, mediante aos testes conduzidos em laboratório e as características do plasmidio de resistência a colistina o qual foi estudado a fundo, que haveria uma rápida disseminação da resistência para os principais patógenos humanos.

Enquanto o trabalho chinês estava sendo redigido, pesquisadores na Malásia notificaram a presença de mcr-1 em E. coli naquele país, na sequencia a África do Sul, Bégica, América do Norte e Argentina notificaram a presença da resistência, demonstrando a rápida disseminação intercontinental do plasmidio de resistência a colistina. Recentemente aqui no Brasil uma estirpe de E. coli foi recuperada de um paciente diabético com uma infecção no pé, esta bactéria mostrou-se multi-resistente a antibióticos inclusive a colistina por conter o gene mcr-1.

Colistina

A colistina pertence à classe das polimixinas, antimicrobianos com amplo espectro de ação contra bactérias Gram-negativas incluindo a maioria das enterobactérias. A polimixina permaneceu com uma das ultimas classes de antibióticos para o qual o mecanismo lateral de transferência de resistência não havia sido reportado. 

Colistina na produção animal

A China por ser o maior produtor de frango e suínos do mundo é o maior consumidor de colistina para uso veterinário, são centenas de toneladas por ano, este uso pesado de colistina na produção animal resultou numa alta pressão de seleção no ambiente de criação e levou ao aparecimento de mcr-1 por E. coli. Não só na China, mas no mundo todo a colistina tem sido por muitas décadas, utilizada para a produção animal, na terapêutica e como melhorador de desempenho, constando da “Lista de Aditivos Melhoradores de Desempenho e Anticoccidianos para uso em produtos destinados à alimentação animal registrados no MAPA”. 

Impacto na terapêutica humana

A colistina é tida como o último antibiótico com atividade contra certas bactérias Gram-negativas que causam sérias infecções, como, por exemplo, a KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenase postiva), o que torna a situação atual crítica. A aquisição de mcr-1 por bactérias resistentes à carbapenases faz com elas passem a ser intratáveis.

O que fazer no momento atual

É imperativa a remoção imediata e completa da colistina como antimicrobiano para uso veterinário, como melhorador de desempenho, bem como, o uso consciente da colistina na terapêutica humana. A remoção do uso somado à utilização consciente de antimicrobianos reduz drasticamente a pressão no ambiente e com o tempo a prevalência da resistência tende a diminuir e populações de bactérias sensíveis voltam a povoar o ambiente de criação e hospitalar.

Em 2012 a WHO (World Health Organization) concluiu que a colistina deveria ser incluída na lista de antimicrobianos de importância critica, o que restringiria muito seu uso, mas voltou atrás em 2014 por não haver relatos de bactérias resistentes a colistina, agora, temos relatos aos montes.

Conclusão

A manutenção da utilização da colistina no setor veterinário mantendo a pressão de seleção, inevitavelmente mantém a resistência, este fato somado a estabilidade do plasmídeo de resistência à colistina, a facilidade da transmissão da resistência de uma bactéria a outra e a dinâmica de movimentação da população global através das fronteiras fazem com que a resistência a colistina torne-se uma preocupação global.

Estes novos dados de bactérias multirresistentes só reforçam a necessidade de medidas urgentes para utilização consciente de antimicrobianos. De acordo com WHO (World Health Organization) e o CDC (Center for Disease Control Prevention) poderemos vivenciar uma crise global iminente e um retorno à era pré-antibiótica, pois o aparecimento de enterobacterias Pan-resistentes é inevitável.

Encontrada no Brasil bactéria resistente a um dos mais poderosos antibióticos