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As mudanças do mercado de milho brasileiro

Na safra 2001/02, a área plantada foi 20% menor e o clima não esteve muito favorável. Enquanto a demanda aumentou, a oferta diminuiu.

Redação AI (Edição 1107/2002) – Até pouco tempo atrás, a saca de milho custando mais de R$ 20,00 era apenas um sonho para os produtores rurais e uma “piada irreal” para o setor de aves e suínos. Hoje, nos meses finais de 2002, a saca de milho já ultrapassa R$ 25,00 em muitas praças, contrastando com o cenário de um ano e meio atrás, quando o preço estava abaixo dos R$ 7,00 em várias regiões. Afinal, o que aconteceu com o suprimento desse cereal tão essencial para produção de aves e suínos?

O problema do milho que estamos assistindo agora teve seu início no ano 2000, quando os preços de milho estavam altos, havia “promessas de escassez” e os produtores decidiram apostar na cultura, plantando uma área de milho na safra 2000/01 acima de 13 milhões de hectares. Como o clima se portou muito bem na maioria das regiões, colhemos a maior safra de milho da história, por volta de 41 milhões de toneladas (somadas com a safrinha de 2001). Com isso, os preços deste cereal simplesmente despencaram para o produtor. Além disso, as condições comerciais pioraram, a liquidez do milho caiu e as exigências dos compradores aumentaram. Se não tivessem sido exportados mais de 5 milhões de toneladas em 2001, a queda de preços teria sido ainda mais desastrosa para os produtores. Foi a partir desse  cenário que a escassez que vemos hoje começou a ser definida.

O ano de 2001 pode ser considerado um divisor de águas para a cadeia do milho no Brasil. Por um lado, produtores e cooperativas se “revoltavam” com as péssimas condições comerciais oferecidas para a cultura do milho e decidiam por plantar uma área 20% menor na safra 2001/02. Ao mesmo tempo, as exportações realizadas e a boa aceitação do milho brasileiro no exterior, traziam um novo e importante componente para a cadeia de milho brasileiro. Por outro lado, produtores de aves e suínos, animados com o bom desempenho econômico da atividade em 2001 –  quando os baixíssimos preços de milho com certeza contribuíram – aumentavam plantéis e alojamentos e faziam novos investimentos.

Na safra 2001/02, a área plantada foi 20% menor e o clima não esteve muito favorável. Com isso, em 2002 colhemos pouco mais de 35 milhões de toneladas de milho, já somando a safrinha de 2002, que também foi bastante prejudicada. Enquanto a demanda aumentou, a oferta diminuiu; além disso, com o dólar em alta e a polêmica sobre os OGMs, as importações foram dificultadas. O resultado foi justamente a disparada no preço do milho que estamos assistindo durante todo o ano de 2002.

Milho e Soja – No início deste ano, as empresas de sementes de milho começaram as vendas para a safra 2002/03, acreditando que haveria aumento de área de milho, motivado pelo os bons preços vigentes. Porém, as altas da soja em Chicago e, principalmente, a disparada do dólar em relação ao Real, levaram os preços da soja no Brasil a níveis muito altos. Além disso, não podemos esquecer de um fato muito importante: 2/3  do milho produzido no Brasil é produzido por sojicultores, que tem na soja sua atividade agrícola  principal. Esses produtores, por mais que reconheçam a importância do milho para rotação com a soja e para suprimento de palha no plantio direto, podem perfeitamente passar um, dois ou três anos sem plantar milho ou plantando áreas menores. Em outras palavras, o produtor brasileiro não é obrigado a plantar milho, e o faz, e continuará fazendo, apenas quando sente que há perspectivas de rentabilidade e segurança na comercialização, quando comparado o milho com a soja. Assim, apesar dos bons preços do milho, os produtores ainda “traumatizados” pela comercialização em 2001, preferiram apostar de novo na soja, pois além de rentabilidade, essa cultura oferece uma comercialização profissional, ágil, e segura, sempre atrelada ao dólar, ao contrário do milho.

Hoje, as empresas de sementes de milho, baseadas nas vendas ocorridas até agora, estimam uma diminuição na área de milho na safra verão 2002/03 na faixa de 5% a 10% e um aumento na área de soja em torno 10% em relação à safra 2001/02.  Pode-se afirmar que existe intenção, por parte dos produtores, de plantar uma área maior de safrinha em 2003 – porém, esta transcorrerá numa época com instabilidade climática prevista, pois é muito dependente da época de plantio da soja precoce, que já está atrasada neste ano. Assim, acreditamos que o cenário de escassez de milho que vemos hoje tem boas possibilidades de se manter  em 2003 e produtores de aves e suínos devem se preparar para tal.

Ficam deste relato algumas lições importantes:

– Os altos preços de 2002 – e provavelmente 2003 – foram definidos na comercialização da supersafra colhida em 2001. É no ano de maior oferta do grão que a indústria deve cuidar para não praticar preços que desestimulem o plantio de milho no(s) ano(s) seguinte(s).

– Ao contrário do que setores conservadores tendem a pensar, um mercado de milho “amador” e desorganizado não favorece mais a indústria consumidora de milho. Ao contrário disso, essa situação passa a ser altamente ameaçadora, pois os produtores brasileiros, que estão se profissionalizando rapidamente, deram sua resposta nesses últimos dois anos de como pretendem lidar com a desorganização do mercado de milho e com o profissionalismo do mercado de soja: simplesmente plantando cada vez menos milho e mais soja.

– Finalmente, ao contrário do que alguns podem pensar, as exportações de milho podem ser um fator fundamental para a estruturação e profissionalização da cadeia de milho no Brasil. Os preços futuros do milho exportado podem e devem passar a ser a referência de preços futuros para o mercado interno. As grandes indústrias podem tomar posições em Chicago e oferecer preços futuros a produtores e cooperativas, ao mesmo tempo que se protegem de altas exageradas no mercado interno.  Pode ser que não se compre milho novamente por R$ 7,00 ou R$ 8,00, mas podemos evitar ter que pagar R$ 25,00 ou R$ 30,00 a saca. Enquanto o preço do milho importado tende a ser o “teto” para o mercado interno, o preço do milho na exportação passará a ser o “preço mínimo” do mercado interno.

– Acreditamos que a proibição ou taxação da exportação de milho, defendida por alguns, seria um “tiro no pé” da própria indústria consumidora de milho, pois sua maior conseqüência seria diminuir ainda mais as perspectivas e o interesse do produtor brasileiro de plantar milho e investir na cultura.

– Portanto, é preciso profissionalizar o mercado de milho o quanto antes, para que o produtor brasileiro, cada vez mais profissional, consiga se sentir seguro para investir novamente na área e na tecnologia a ser aplicada na cultura do milho. Com isso, as indústrias de carne passarão a  ter  garantias de suprimento e de limites de preços ano após ano, podendo fazer planejamentos e projeções de médio prazo com muito mais segurança.

Estoques reguladores

O economista e professor da Universidade de São Paulo, Fernando Homem de Mello, disse em algumas entrevistas à imprensa, como ao programa Globo Rural, que a falta de milho no mercado, ocorrida neste ano de 2002, também é reflexo dos baixos estoques do governo. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), os estoques de milho do governo fecharam o mês de outubro em 241 mil toneladas. De acordo com o economista, este estoque é quase zero, considerando que o consumo mensal de milho no País é de 3 milhões de toneladas. “Estas 241 mil toneladas representam dois dias de consumo”, diz.

Homem de Mello ainda afirmou que todo esse desequilíbrio no abastecimento de milho no Brasil ocorreu porque o governo federal simplesmente abandonou a política de estoques reguladores. “O governo ficou sem milho em estoque para socorrer os produtores e o mercado e teve de recorrer às importações”. Conforme o professor e economista, esta situação se agravou porque o governo falhou com as políticas econômica e agrícola. “Infelizmente, o governo que termina tem uma verdadeira ojeriza, um viés contra qualquer coisa relacionada a estoques reguladores. Agora os preços agrícolas estão em alta, recuperando apenas os níveis do início da década passada, nos anos de 1991, 1992 e 1993”.

Para 2003, Homem de Mello estima um quadro um pouco melhor; mas ainda bem apertado, com os preços, provavelmente, caindo no início da safra para os níveis da paridade de exportação. “Isso aliviará um pouco a situação dos produtores de carnes”.

Porém, o governo rebateu que entende que a política de estoques oficiais não é a melhor alternativa para regular o mercado agrícola. Outros mecanismos, como os contratos de opção, seriam mais modernos e eficientes. O Ministério da Agricultura afirma também que os estoques de milho ficaram muito baixos por causa dos problemas climáticos, que reduziram a safra; e por causa das exportações deste ano, que chegaram a 2,3 milhões de toneladas.

*Gerente Executivo Nacional da Pioneer Sementes