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Economia

China não vai mais crescer 7%, diz Mendonça de Barros

A transformação de uma economia do tamanho da chinesa é delicada e é isso que gera instabilidade nos mercados globais.

A China vai deixar de crescer a uma taxa de 7% ao ano para mostrar um ritmo de expansão entre 3,5% ou 4,5%. Para o ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, esse ajuste faz parte de uma transição de modelo econômico, iniciada há cerca de quatro anos, em que o foco em investimentos públicos em infraestrutura dá lugar aos estímulos ao consumo privado. A transformação de uma economia do tamanho da chinesa é delicada e é isso que gera instabilidade nos mercados globais. Mas trata-se de um movimento já esperado. “Quem não percebeu isso, e a nossa presidente [Dilma Rousseff] é uma delas, como ela mesma admitiu, errou.”

Mendonça de Barros diz que, por não ter se preparado para esse novo cenário, o Brasil já perdeu, em dois anos, todo o ganho obtido em seus termos de troca ao longo do ciclo das commodities. “Nessa transição, a Vale é uma grande perdedora. O Brasil é um grande perdedor”, afirma.

Embora reconheça que a correção da rota da política econômica, dirigida pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vá produzir ajustes desejados sobre o crescimento, inflação e contas externas ao longo de 2016, não é possível mais esperar grandes reformas ou mudanças por causa do cenário político. “Ele [o ministro Levy] não vai conseguir fazer nenhuma mudança estrutural fiscal. Isso fica para o próximo governo. Ele vai fazer a política arroz com feijão”, afirma.

O interesse de Mendonça de Barros pela China começou em 1997, quando era presidente do BNDES e visitou o país para assinar um contrato de financiamento para a venda de oito turbinas para a construção da hidrelétrica de Três Gargantas. Hoje, o economista é associado ao maior fabricante chinesa de caminhões, a Foton. A empresa importa veículos, mas começará a produzi-los no ano que vem em Guaíba, no Rio Grande do Sul. A fábrica, fruto de um investimento de R$ 250 milhões, terá capacidade para 30 mil veículos leves por ano. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

A instabilidade dos mercados por causa da preocupação com China indica que uma bolha estourou ou trata-se apenas de um ajuste temporário?
Luiz Carlos Mendonça de Barros:Se você não tiver uma visão mais ampla da China, você não entende o que está acontecendo. A gente sabe que, nas economias de mercado, você tem uma fase em que precisa acumular capital. Esse acúmulo na mão de poucos é o que dá início do processo de desenvolvimento econômico. O exemplo típico disso é a Inglaterra na Revolução Industrial, em que a acumulação do capital era feita em cima dos empregados, 15 horas de trabalho, baixos salários. 
A China fez isso no Estado, nas empresas públicas nessa primeira fase do desenvolvimento chinês, em que o investimento quase todo era público e baseado na criação de uma infraestrutura com forte demanda por commodities. Jim O’Neill [economista que cunhou o termo Bric] começou a falar que essa primeira fase de acumulação de capital estava no final. Ou a China seguiria a receita soviética e quebraria como a Rússia quebrou ou ela mudaria o foco para criar mercados de consumo. É essa transição que estamos vendo, que começou nos últimos três a quatro anos. O governo começou a diminuir seus investimentos no mercado imobiliário e passou a criar condições para que o consumo das famílias aumentasse. Essa mudança, em uma sociedade grande como a chinesa, é muito delicada. É isso que traz insegurança.

Essa transição coloca em questão o crescimento chinês?
Mendonça de Barros: É claro que a China nunca mais vai crescer 7% ao ano porque o PIB chinês já é o segundo maior do mundo. E na transição de modelo, há ganhadores e perdedores. A Vale é uma grande perdedora. O Brasil é um grande perdedor. A demanda da economia chinesa está mudando de lado. Um caso interessante é o da Boeing, que fez um estudo sobre o mercado de aviões na China nos próximos 20 anos. A China abole o investimento em trem-bala e agora começa a investir em aviões comerciais. Outra indústria que sai ganhando é a de automóveis. A China vai vender neste ano 25 milhões de automóveis. Os Estados Unidos vão vender 17 milhões. E a Europa, 11 ou 12 milhões.

O que o senhor considera agora uma taxa de crescimento razoável para a China?
Mendonça de Barros: Algo entre 3,5%, 4%, 4,5%… não é mais do que isso. Eu lembro que em 2006, no auge da demanda chinesa por commodity, o O’Neill fez um estudo dizendo que, se aquele quadro continuasse por mais tempo, teríamos que dobrar o mundo para suprir a demanda. Com isso não é possível, o erro foi projetar essa dinâmica por mais 10 ou 15 anos. A China hoje já é o segundo PIB do mundo, é um player fundamental da economia moderna, mas os mercados não entendem direito como esse player vai funcionar nos próximos anos. É bom observar que a bolsa chinesa tem uma importância muito pequena na sociedade. Mas, como essa é a parte conhecida dos mercados, [o movimento da bolsa] ganha uma dimensão que é muito maior. O que eu digo é que para a economia chinesa é muito mais importante o petróleo a US$ 40,00 do que a bolsa caindo 10% ou 15%.

Mas quando a bolsa chinesa sofre, é porque está se ajustando a essa perspectiva de crescimento menor?
Mendonça de Barros: Primeiro, a bolsa está refletindo especulação. A bolsa subiu 300% este ano. Criou-se uma bolha especulativa na bolsa chinesa, o governo deixou a coisa correr solta. Para você ter uma ideia, a relação preço/lucro da maioria das ações da bolsa chinesa é 50 vezes. É evidente que é uma bolha. Agora, a explosão dessa bolha tem muito mais impacto fora do que dentro da sociedade. Tanto que o que você está vendo, de certa forma, é a volta ao bom senso. A bolsa chinesa tem que cair mais para se ajustar, mas isso não tem impacto nenhum nos mercados mais importantes.

Mas os emergentes erraram ao não perceber essa transição?
Mendonça de Barros: Exatamente. E o Brasil talvez seja o exemplo mais crítico disso. Os termos de troca cresceram 30% de 2006 a 2010 e caíram 30% nos últimos dois anos. Estão no mesmo nível de 2004. E isso aconteceu com outros países também. Aquele impulso de crescimento dado pela melhora dos termos de troca em função dessa fase de commodities acabou. Quem não percebeu isso, e a nossa presidente é uma delas, como ela mesma admitiu, errou. Ela continuou levando a economia como se esse impacto positivo ainda existisse, e ele não existe mais.

E para frente? Ainda há potencial de deterioração?/strong>
Mendonça de Barros:
Vamos tirar o efeito China sobre o Brasil e voltar para os fundamentos da economia. Hoje, todos os indicadores mostram que o ápice do crescimento brasileiro no modelo do Lula e do PT foi 2012. A partir daí, esse efeito da China, do ganho de renda, começou a desaparecer e a economia estava com alta inflação, déficit em conta-corrente. Todos os indicadores indiretos de uma situação doente, clamando por um ajuste do governo. O que estamos vendo agora é um terrível mas necessário ajuste da demanda. A terapia administrada pelo ministro Joaquim Levy, é a correta. É uma questão de tempo e você ver a conta-corrente ajustada, a inflação cair, os juros cederem, o crédito destravar e, mais para frente, uma recuperação cíclica. O problema é que há uma crise política séria e uma presidente que perdeu a capacidade de governar. Isso tem que ser resolvido.

O senhor vê risco de impeachment?
Mendonça de Barros: 
Existe a possibilidade de impeachment. Na minha visão, o maior risco vem do TSE, com eventuais evidências de que houve contaminação de dinheiro de corrupção no financiamento de campanha. Mas, para mim, um grande marco serão as eleições municipais do ano que vem. A presidente tem dito, com certa razão, que ela legitimamente ganhou as eleições. Mas as eleições municipais devem mostrar uma grande derrota do PT, em escala tectônica. Para mim, esse resultado tira o discurso da presidente. Se haverá momento para ela renunciar, será esse. Ela terá espaço para dizer: sou democrata e, com as manifestações nas urnas, eu não posso mais governar.

Mas o defensor do ajuste que o senhor está mencionando é o ministro Joaquim Levy, que parece hoje estar mais isolado. Como o país vai atravessar esse período nessa situação
Mendonça de Barros:
 A presidente não tem saída. Quem ela coloca no lugar? O ministro já deve ter conversado com o Mailson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda do governo Sarney, e que viveu uma situação dessa e acabou sendo conhecido pela política chamada de “arroz com feijão”. O que queria dizer: estou aqui, não para fazer nenhuma grande mudança, ter alguma grande vitória, mas para administrar, com as restrições políticas, uma política econômica saudável. Agora, o que é fundamental é ter um certo controle dos gastos, uma política monetária independente e que busque a convergência da inflação. Ele não vai conseguir fazer nenhuma mudança estrutural fiscal. Isso fica pro próximo governo. Ele vai fazer a política arroz com feijão.

O que o senhor está esperando para os próximos anos?
Mendonça de Barros: 
Eu acho que estamos no meio do ajuste que deve ir até julho, agosto do ano que vem, quando os resultados vão continuar a aparecer. A recuperação depende de uma mudança de postura do empresário, o que não vai ocorrer agora. Mas não vamos continuar caindo nesse espaço vazio como agora. Vamos purgar pelos excessos do passado com esse ajuste recessivo, que já está dando resultados. Temos aí o déficit em conta corrente, que poderia ter levado o Brasil para o precipício. Agora, vamos voltar para um número razoável de 2%, 2,5% do PIB. A inflação vai começar a cair. Mesmo o câmbio já está dando sinais de que não consegue ir muito mais para frente. Mas a crise política tira desse processo de recuperação a âncora do investimento.