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Com caixa recheado, Seara vai acirrar duelo com BRF

A Seara recebe a maior parcela dos R$ 8 bilhões que serão investidos pela JBS até 2024.

Com caixa recheado, Seara vai acirrar duelo com BRF

“S” de Sadia ou de Seara? A batalha entre BRF e JBS, que no passado virou até disputa judicial por uma letra do alfabeto, vai esquentar. Lequetreque, o simpático mascote da Sadia, que se cuide.

Num movimento que não nega a vocação expansionista dos irmãos Joesley e Wesley Batista, a Seara está aproveitando o poço de liquidez da JBS – a operação americana é quase um máquina de imprimir dinheiro – para multiplicar a marca.

Sob a liderança de Wesley Filho, prodígio de 29 anos que vem sendo preparado para chegar ao comando global da gigante criada pelo avô, a Seara recebe a maior parcela dos R$ 8 bilhões que serão investidos pela JBS até 2024. Neste momento, há obras de expansão em 12 unidades.

No fim do ano passado, quando a JBS anunciou o pacote bilionário de investimento – um lance incomum para um grupo forjado por aquisições -, o CEO Gilberto Tomazoni tergiversava sempre que era perguntado sobre o destino reservado à Seara.

A tática, é claro, era esconder o jogo enquanto o projeto não ganhava tração. Mas isso também já mudou, o que dá uma noção da capacidade de execução da companhia. Na última teleconferência com analistas, Tomazoni afirmou em alto e bom som o que muitos já especulavam: “Vamos dobrar a Seara de tamanho”.

Em números, a conta é óbvia. Até 2024, a Seara precisa faturar mais de R$ 40 bilhões. No campo o jogo não é tão simples, como os investidores da BRF aprenderam amargamente. Para que tudo funcione, o time de agropecuária precisa de afinação com os granjeiros integrados para ampliar a produção de frangos e suínos. Numa cadeia viva e complexa, erros de planejamento e gestão não são perdoados. Mas a Seara apertou o passo e parece segura com o que vem pela frente.

Uma fonte que conhece o plano da Seara admite. “O alvo é superar a BRF”. O projeto abrange da ampliação da capacidade de abate à produção de alimentos industrializados com marca. Não é coincidência, portanto, que a JBS venha reforçando o management com pesos pesados. Em setembro, Wesley Filho trouxe João Campos, que comandava a PepsiCo no Brasil desde 2015, para chefiar a área de alimentos industrializados da Seara.

Nem mesmo a Qualy, sucesso de público e liderança até então inabalável, está imune à ofensiva da JBS. Com a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Seara concluiu na última segunda-feira a aquisição dos ativos de margarina e maioneses da Bunge, agregando R$ 1 bilhão ao faturamento.

A transação, aliás, é reveladora da competição entre BRF e Seara. O negócio de R$ 700 milhões levou quase um ano para ser aprovado no órgão antitruste, uma demora que arrepiou os cabelos de advogados que acompanharam o caso.

A líder contestou a aquisição, no que foi encarado como uma estratégia – bem sucedida – para protelar a aprovação do negócio. Para um advogado, a ironia é que, meses depois, a BRF aumentou a concentração do mercado de margarinas ao assumir, sob licença, a produção e comercialização da marca Becel.

Enquanto a Seara não podia assumir o negócio e com uma Bunge naturalmente menos motivada a se esforçar por uma operação descontinuada, a BRF fez a festa e, de lambuja, pairou soberana na quarentena.

O isolamento social fez o consumo de margarinas disparar, e a dona da Qualy estava mais que preparada. Em fevereiro, ainda antes do turbilhão provocado pela covid-19, a empresa retomara a produção de margarinas em Uberlândia, ampliando a capacidade em 35%.

Quando os consumidores começaram a fazer mais bolos para sobreviver à rotina entediante da quarentena, lá estava a Qualy e a Claybon – uma marca de combate – para surfar a onda. Não à toa, o market share da BRF atingiu 58,7% em entre maio e junho, maior nível mais desde 2018. De lá para cá, o encarecimento do óleo de soja fez a BRF tirar o pé, e entre agosto e setembro a participação em margarinas caiu para 56,3%. Ainda assim, a liderança se dá por boa margem.

A partir da assinatura do acordo com a Bunge, a Seara vai poder incomodar a BRF também nessa frente até porque passa a contar com três fábricas para a produção de margarinas – antes, a produção era feita por terceiros. A Seara mais que triplica o market share, saindo de 9,5% para 35,5%. Além da Doriana, marca que já detinha, contará com Delícia para acirrar o jogo.

Em outros mercados, a disputa já é pesada. No ano passado, a Seara desbancou a Perdigão da liderança em congelados – itens como hambúrguer, lasanhas e pratos prontos -, algo inimaginável quando a Seara foi comprada pela JBS, em 2013.

Em valor, a Seara tem 23,7% do mercado de congelados, contra 21,4% da Perdigão, de acordo com dados obtidos pelo Valor. Ao analista Thiago Duarte, do BTG Pactual, Wesley Filho confirmou, em teleconferência realizada em novembro, que também vem reduzindo o gap de preço com as marcas da concorrente.

Na BRF, fontes não negam a liderança da marca rival em congelados, mas ironizam o fato de tratarem a Seara isoladamente, sem considerar outras marcas que a JBS tem no portfólio, como Rezende. Juntas, Perdigão e Sadia ainda lideram, com mais de 40%. Também se argumenta que o negócio de congelados é o menos relevante. “É market share de um negócio menor e nem sempre com boa rentabilidade”, argumentou uma fonte.

Minimizar os feitos da Seara não significa ignorá-los. Na próxima semana, a BRF leva ao mercado sua visão para 2030. Sai de cena a reestruturação e volta o crescimento – o faturamento de R$ 35 bilhões também vai aumentar. Lequetreque não está parado.

No duelo entre as gigantes, também há espaço para recados subliminares. No último balanço, a BRF fez questão de avisar aos investidores que a perda de participação de mercado, um efeito colateral da covid-19 e do repasse de preços feito para compensar o custo do milho, se deu para marcas com menos de 5% de share. Para bom entendedor, um pingo é letra – e não é “S”.