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Contra abate sanitário

'É melhor abater no concorrente do que jogar a carne fora', diz Adroaldo Zanella

Professor da USP critica falta de diálogo entre diferentes esferas do governo e inicitiva privada

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Sacrificar animais com plena saúde nas granjas porque frigoríficos estão interditados ou cortaram o ritmo de produção para se ajustar às medidas de contenção à covid-19 deveria ser evitado ao máximo, mesmo que os frangos tenham de ser abatidos na concorrência. Com isso, a carne não seria desperdiçada em um momento tão delicado para o abastecimento no país e o trauma psicológico de granjeiros que presenciam os descartes seria evitado.

Essa é a avaliação do veterinário Adroaldo Zanella, especialista em bem-estar animal e professor responsável pelo Centro de Estudos Comparativos em Saúde, Sustentabilidade e Bem-Estar de Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP). Segundo Zanella, governos e empresas deveriam ter um diálogo mais próximo e constante para evitar o sacrifício – ele prefere o termo depopulação- desnecessário.

“Você deixa o produtor arrasado. Alguém chega na propriedade e mata os animais que ele sempre pensou que alimentariam pessoas. Do ponto de vista psicológico, é muito sério”, afirmou Zanella, lembrando que o processo também gera um desafio ambiental no descarte das carcaças. O especialista, que é filho de produtores rurais, também alerta que os sacrifícios podem ser explorados de forma sensacionalista, o que poderia provocar constrangimentos à imagem das agroindústrias brasileiras no mercado internacional. O Brasil é o principal exportador mundial de carne de frango.

Na semana passada, a JBS pediu autorização da Secretaria de Agricultura e do órgão ambiental de Santa Catarina para sacrificar cerca de 650 mil frangos que estão nas granjas e não poderão ser abatidos porque a unidade de Ipumirim estava interditada judicialmente há duas semanas, a pedido dos auditores fiscais do trabalho. O órgão alegou que a companhia não tomou as medidas necessárias para proteger os funcionários contra a covid-19.

Uma liminar obtida pelo MPT obrigou o distanciamento mínimo de 1,5 metro entre os trabalhadores – que, em muitas áreas, atuam ombro a ombro. A JBS vem argumentando que tomou as medidas de proteção, atendendo à recomendação dos ministérios da Saúde, Agricultura e Economia. O grupo instalou anteparos de acrílico entre trabalhadores para reforçar a proteção. Para adotar as medidas, a empresa teve a assessoria do infectologista e professor da Unifesp Adauto Castelo Filho e do Hospital Albert Einstein.

No sábado, a Justiça atendeu ao pedido da JBS e autorizou a reabertura da unidade. Se não reabrisse até hoje, os animais teriam de ser sacrificados, conforme carta enviada pela empresa ao governo catarinense. Na última sexta-feira, a população fez uma manifestação que contou com uma carreata protestando contra o fechamento da unidade. O prefeito de Ipumirim também pediu a reabertura do abatedouro. A unidade é capaz de abater diariamente 140 mil animais. No país, 950 milhões de aves estão alojadas nas granjas e 21 milhões são abatidas por dia, conforme estimativa da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Em entrevista ao Valor, Zanella não escondeu a angústia com o momento e a falta de diálogo – inclusive com a comunidade científica que, de acordo com ele, está alijada da construção de alternativas. Um mapeamento dos abatedouros, considerando também aqueles que são fiscalizados pelos sistemas de inspeção estadual e municipal – e que só podem comercializar localmente -, poderia ajudar na implementação de um plano de contingência, sustenta o professor da USP.

Em Passo Fundo (RS), onde a JBS teve um frigorífico interditado por um mês, um levantamento realizado por uma de suas colaboradoras mostrou que, num raio de 100 quilômetros, haviam diversas unidades. “Quando ela chegou no número 27, pedi para parar. É um tesouro que a gente precisa ficar atento e descobrir alguma forma de essas plantas possam absorver alguns animais”, sugeriu ele, lamentando que essa discussão não esteja ocorrendo.

No caso de Passo Fundo, JBS não precisou sacrificar aves. Os animais prontos para o abate foram deslocados para outros frigoríficos do próprio grupo. Mas o levantamento ilustra uma alternativa que precisa estar na mesa, indicou Zanella.

No momento, o setor frigorífico brasileiro parece estar longe da crise pela qual os Estados Unidos passam, com milhões de animais sacrificados em meio ao fechamento de frigoríficos e escassez de carne no varejo americano, mas é preciso ter um plano de contingência porque o risco existe, reforçou o professor.

À reportagem, o diretor-executivo da ABPA, Ricardo Santin, afirmou que o sacrifício de animais é sempre a última opção e que, embora não exista um protocolo formal para a colaboração entre empresas, “existe uma política de boa vizinhança” para a eventual necessidade do abate de animais em um concorrente. No entanto, isso nem sempre é possível.

Entre os problemas para realizar essa operação, é preciso considerar a distância entre as unidades. Afora isso, o maior nível de absenteísmo nos frigoríficos e também de afastamentos por causa do coronavírus torna a alternativa mais complicada, afirmou Santin. Também não é recomendável continuar dando a ração as aves, que cresceriam muito, tornando o abate inviável. “E sem ração, os animais se canibalizariam”, disse.

No momento, a esperança no setor é que a disseminação da covid-19 pode estar perdendo força em algumas regiões de produção de aves e suínos. “Já recebo informações de empresas dizendo que o número de funcionários que retornam ao trabalho é maior que o de afastados”, disse o diretor da ABPA.