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Fatos sobre legislação e uso de antibióticos como aditivos em rações

O conhecimento dos riscos ligados à ingestão dos alimentos de origem animal tem assumido papel decisivo na escolha de produtos pelos consumidores e, via de conseqüência, para o comércio entre as Nações.

Redação AI (Edição 1124/ No. 06`2004) – Durante a primeira  metade do século passado a indústria animal desenvolveu-se de forma efetiva e marcante, em especial nas áreas de aves e suínos. Este progresso, no entanto,  não ocorreu de forma aleatória; foi conseqüência direta dos avanços conseguidos na área de saúde animal. De fato, através do conhecimento das diferentes patologias e dos procedimentos técnicos para preveni-las e curá-las é que se viabilizou a intensificação da produção animal. Entretanto, outras áreas do conhecimento foram, também, fundamentais para o surpreendente progresso deste setor. Destas, aquelas ligadas ao melhoramento genético e às necessidades nutricionais dos animais de produção têm colaborado de forma decisiva para o aumento dos ganhos e da eficiência zootécnica. Neste contexto, inserem-se os conhecimentos ligados ao uso dos aditivos e, dentre eles dos antibióticos.
Desde o início da segunda metade do século passado se conhece o fato de que algumas moléculas de antibióticos – quando usadas como aditivos em rações – permitem uma melhora de desempenho dos animais, particularmente de aves e de suínos. Vários trabalhos científicos foram desenvolvidos confirmando este benefício. Assim, tem sido repetidamente comprovado que o uso de aditivos antimicrobianos produz em aves e suínos: aumento do ganho de peso, diminuição do tempo necessário para que se atinja o peso considerado como ideal para o abate, diminuição do consumo de ração, aumento da eficiência alimentar, melhora das qualidades organolépticas e da conservação das rações, e dentre tantos outros, prevenção de patologias infecciosas e parasitárias e diminuição da mortalidade. Efeitos como estes vêm tornando a produção animal mais eficiente e reduzindo os custos de produção. De acordo com a literatura, esta redução de custo de produção pode atingir limites de até 5 a 40 dólares per capita/ano (NRC, 1999; Mathews, 2001).

Exigências dos consumidores de produtos de origem animal

Nos últimos anos, no entanto, o uso de antibióticos em animais de produção vem preocupando a população brasileira e mundial. Neste sentido, duas crises ocorridas na Europa (e uma terceira em andamento) agudizaram a percepção dos consumidores de todo o mundo e, em especial dos  europeus, em relação à necessidade de segurança no que diz respeito à qualidade dos alimentos de origem animal.
A primeira destas crises coincidiu com o aparecimento da encefalopatia bovina, ou BSE, em 1995/1996 e, principalmente depois da constatação de que esta patologia tinha como causa o uso – na alimentação de bovinos – de farinha de carne proveniente de ovinos portadores de outra encefalopatia conhecida como scrapie. A segunda crise ocorreu na Bélgica pouco tempo depois, em 2000, e estava ligada à qualidade da carne de aves. Especificamente constatou-se contaminação de carne de frango por uma dioxina produto cancerígeno em conseqüência do uso impróprio de óleo queimado para peletização de ração destinada a frangos de corte.
Estas duas crises produziram uma queda drástica do consumo de carne, principalmente na Europa, o que levou os distribuidores de produtos de origem animal a exigir dos produtores rurais a adoção de medidas concretas ligadas à manutenção da qualidade dos alimentos de origem animal, dentre as quais: certificado de procedência, rastreabilidade, condições de alojamento e bem-estar dos animais, ausência de resíduos de substâncias químicas, garantias ligadas à segurança e qualidade dos alimentos fornecidos aos animais.  Estas questões acabaram, assim, assumindo grande importância no mercado internacional de alimentos e, conseqüentemente, no agronegócio avícola e suínicola. De fato, o conhecimento dos riscos ligados à ingestão dos alimentos de origem animal tem assumido papel decisivo na escolha de produtos pelos consumidores e, via de conseqüência, para o comércio entre as nações.
Destaque-se, neste momento, que uma nova e terceira crise vem complicando esta situação, já de alguma forma complexa: a constatação do aumento de prevalência/incidência de microorganismos resistentes aos antimicrobianos e a possível relação deste fato com o uso de antibióticos em medicina veterinária e, muito especialmente, quando feito como aditivos zootécnicos. Embora nada tenha sido cientificamente produzido nesta área que comprovasse esta associação, medidas restritivas severas foram impostas ao uso destes insumos na Europa e em outros países do mundo, dentre os quais o Brasil.
Embora de forma não intencional, estas crises acabaram por tornar necessária a adoção de medidas internacionais ligadas à segurança alimentar, saúde pública, biosegurança, bem-estar animal e estabilidade/segurança/preservação da vida selvagem e do meio ambiente; estas questões acabaram, assim, assumindo papel determinante para aqueles que desejam produzir e/ou exportar produtos agropecuários em um mercado globalizado. De fato, embora os grandes distribuidores internacionais de commodities agropecuárias continuem a buscar por produtos economicamente mais viáveis, passaram a exigir dos produtores/exportadores garantias de que estes alimentos tenham sido produzidos de acordo com os desejos e as expectativas de seus consumidores. E, assim o fazem, porque precisam manter a lucratividade de seus negócios e as fatias de participação que têm no mercado global.
Neste sentido, as exigências dos consumidores quanto à qualidade dos alimentos de origem animal e quanto à forma com que estes são produzidos têm causado profundo impacto na produção animal em todo o mundo e, – via de conseqüência na legislação que a regulamenta. A ênfase anteriormente dada ao aumento da produtividade, representada, por exemplo pelo uso de mecanização agrícola, de adubos ou insumos similares, de praguicidas, de medicamentos veterinários e até mesmo de aditivos zootécnicos, vêm perdendo espaço para necessidades agora emergentes e ligadas à qualidade dos alimentos produzidos, à preservação do meio ambiente, ao manejo adequado e humanitário dos animais de produção, à redução do uso de substâncias farmacologicamente ativas durante as fases de produção e, dentre tantas outras à redução de cepas de bactérias resistentes aos antibióticos. Neste contexto, a polêmica relacionada ao uso de sementes ou de plantas transgênicas pode, também ser incluída neste quadro.
Estas mudanças de atitude dos consumidores e via de conseqüência dos distribuidores – têm praticamente exigido que as autoridades governamentais, ligadas à produção e/ou importação de alimentos de origem animal em cada país, se posicionem a respeito das questões apontadas acima. Este posicionamento tem se consolidado na forma de alterações ou substituições em legislações ligadas ao uso de medicamentos veterinários e, em especial de antibióticos em aves e suínos.

Preocupações dos consumidores e das autoridades governamentais

Duas principais vertentes sumariam as preocupações dos consumidores e das autoridades governamentais sobre estas questões: 1- Resíduos de medica-mentos veterinários presentes em alimentos de origem animal seriam prejudiciais à saúde do consumidor? 2- O uso de antibióticos em Medicina Veterinária poderia contribuir para o aumento da incidência/prevalência de resistência microbiana na Medicina Humana?
Quanto ao primeiro aspecto, o emprego de medicamentos veterinários em animais de produção – dentre os quais incluem-se os antibióticos – pode, de fato, acarretar a presença de resíduos dos mesmos ou de seus metabólitos em produtos derivados de animais tratados, podendo este fato representar risco à saúde humana. No entanto, a presença de uma substância química em um alimento não permite de per se a compreensão do risco que ela possa ter para a saúde daqueles que a ingiram em quantidades residuais. Para que se faça esta inferência há que saber qual foi o resíduo detectado e, principalmente, quanto do mesmo foi encontrado no alimento. Considerando-se que a toxicidade de uma substância química pode ser determinada experimentalmente, o risco que acompanha a ingestão de resíduos de antibióticos em alimentos provenientes de animais tratados não são aleatórios, mas cientificamente determinados. Em outras palavras, existe metodologia científica que permite verificar qual o risco associado à ingestão de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos. Assim, se os níveis de resíduos de um antibiótico encontrados em alimentos de origem animal estiverem abaixo daqueles fixados pelo Codex Alimentarius  da FAO/OMS como Limites Máximos de Resíduos (LMR), nenhum perigo representam para a saúde do consumidor.
No relativo à segunda questão, os antibióticos são largamente usados para o tratamento e a prevenção de doenças infecciosas humanas ou de animais, o que pode contribuir para o aumento de resistência microbiana. O emprego de antibióticos em agropecuária, neste sentido, tem recebido grande atenção, tendo sido objeto de muitas discussões em inúmeras reuniões científicas. Analisemos o pano de fundo das principais atitudes que têm norteado a legislação de alguns países em relação a este fato.
Essencialmente, duas posições têm emergido em relação à questão do desenvolvimento de resistência de bactérias aos antibióticos usados em produção animal. A primeira afirma que a resistência de algumas bactérias a antimicrobianos de relevância para o tratamento de infecções de seres humanos foi gerada nos animais, tendo-se espraiado deles para o homem  e apresentando potencial para produzir um mal maior. Em razão deste posicionamento preconiza a adoção de medidas imediatas para minimizar o problema. A segunda posição advoga que esta resistência pode, de fato, ter acontecido, após uso de antibióticos em animais – como de resto pode acontecer, também, após medicação do ser humano e até mesmo de vegetais com antibióticos; porém, alega que não existem evidências científicas, e portanto comprovação, de que ela tenha se espalhado dos animais para o ser humano. Desta forma, não existiriam razões científicas para justificar a adoção de medidas drásticas e imediatas relacionadas ao uso de antimicrobianos em animais, visto que não existe potencial comprovado de que a continuação deste uso venha a produzir qualquer tipo de malefício ao ser humano. 

Qual destas posições é a correta?

Difícil dizer; é possível que ambas contenham parte da verdade. Neste sentido, ambas são concordantes em um ponto o fato de que a resistência teve origem no uso indiscriminado de antimicrobianos seja em Medicina Humana seja em Medicina Veterinária. A este respeito, a maior dificuldade que se tem encontrado nestes estudos é demonstrar que linhagens de bactérias resistentes tenham, de fato, se originado em animais, espraiando-se daí para os seres humanos.  Muitos debates tem acontecido, nos últimos anos, a respeito desta questão; e, eles continuarão acontecendo porque nenhum estudo conseguiu até hoje (maio de 2004) quantificar e, portanto demonstrar cientificamente e de forma irrefutável a relevância (ou percentual de participação) desta forma de transmissão. Em outras palavras, até o presente momento, não foram definitivamente caracterizadas, do ponto de vista científico, possíveis relações entre o uso de antimicrobianos em animais e o aumento de resistência em bactérias isoladas do ser humano.

Posições internacionais adotadas em relação ao uso de antibióticos em aves e suínos

Em resposta às pressões exercidas por aqueles que optaram pela posição de que existe perigo a União Européia adotou o chamando princípio da precaução, suspendendo o uso de avoparcina, virginamicina, espiramicina, tilosina e bacitracina de zinco como aditivos zootécnicos em animais de produção tentando, desta forma minimizar a seleção de bactérias resistentes de interesse humano. Decretou, também, o banimento de outras quatro moléculas hoje usadas como aditivos na Europa (monensina, salinomicina, flavomicina e avilamicina)  até 2006. Curiosamente, deixaram de fora desta legislação as fluroquinolonas; muito provavelmente porque estes medicamentos não eram empregados como aditivos zootécnicos na Europa. Neste contexto, é relevante ressaltar que a adoção do princípio de precaução acaba por reduzir a possibilidade e a oportunidade para verificar , se realmente o emprego desta medicação representa risco para o ser humano.
O Centro de Medicina Veterinária e a Food and Drug Administration dos Estados Unidos da América do Norte (EEUU), por outro lado, resolveram adotar outra posição: a do  princípio da prova, isto é, primeiro verificar se é possível provar cientificamente a existência de um problema para, posteriormente, adotar medidas para contorná-lo. Baseado neste princípio, o uso de fluoroquinolonas em avicultura foi, recentemente, banido nos EEUU. O uso de antibióticos como aditivos zootécnicos, por outro lado, foi mantido neste país. O Codex Alimentarius da FAO/OMS neste sentido, adotou o princípio da prova científica para as análises de risco ligadas a resíduos de medicamentos veterinários em alimentos. Assim, no caso em tela, analisa todos os aspectos ligados à segurança do uso de antibióticos em animais de produção (inclusive os efeitos sobre a microflora do trato gastrintestinal e o possível desenvolvimento de resistência bacteriana) fixando, após esta análise, os LMRs e períodos de retirada para os mesmos. Tanto quanto se saiba, o Brasil tem acompanhado as decisões do Codex, à exceção da atitude adotada em relação à avoparcina. De fato neste caso, o Brasil optou por adotar o princípio de precaução, seguindo a legislação da União Européia.

De novo cabe a pergunta: qual destas posições é a mais correta?

Difícil dizer visto que centenas de argumentos podem ser juntados na tentativa de defender cada uma destas posições. Neste sentido, talvez seja mais racional e produtivo abandonar estas discussões e adotar, de imediato, medidas concretas para minimizar o desenvolvimento de resistência bacteriana em Medicina Humana e em Medicina Veterinária. De fato, é momento mais do que tarde para que se fujam dos debates sobre uso de antibióticos em Medicina Veterinária e a amplificação do problema da resistência bacteriana. Os participantes destes debates seriam beneficiados de forma mais intensa se considerassem que o uso de antibióticos em animais de produção como, por exemplo, em aves e suínos, encaixa-se em um contexto de uso bem maior que engloba aquele feito em medicina humana, na agricultura, no processamento de alimentos vegetais e animais, em animais de companhia e em outras condições de manejo como em aquicultura, em horticultura, etc.
Por outro lado, cabe mencionar que até o presente momento, todas as possibilidades disponíveis (probióticos, prebióticos, enzimas, ácidos orgânicos, óleos essenciais, etc), e que vem sendo discutidas como alternativas ao uso de aditivos à base de antibióticos, são de conhecimento ainda restrito, promovendo aumentos significativos nos custos de produção, apresentando resultados zootécnicos que, em várias situações, são contraditórios. Contudo, há que ressaltar, que avanços tecnológicos relevantes vem ocorrendo nesta área de uso de melhoradores de desempenho não antibióticos.

Atitudes a serem adotadas

A OIE reuniu recentemente especialistas em resistência microbiana que, após amplo debate, detalharam uma proposta para controlar esta situação baseada em três eixos de ação: 1. Implementação de medidas imediatas para conter e reduzir a resistência microbiana, item que inclui iniciativas voltadas ao uso prudente e responsável de antibióticos; 2. Desenvolvimento de metodologias para avaliar e gerenciar o risco à saúde humana e animal (análise de risco) e harmonização dos sistemas de vigilância de resistência e dos métodos laboratoriais disponíveis e; 3. Obtenção de informações sobre resistência microbiana, em âmbito nacional e mundial. Com base nestas recomendações, os países poderiam implementar programas de contenção da resistência de forma objetiva e transparente, baseados em dados científicos.
Neste contexto, a OMS elaborou um conjunto de recomendações visando proteger a saúde humana. As seguintes linhas de ação foram consideradas importantes:

1. Atribuição de responsabilidades às autoridades de regulamentação ligadas à agropecuária quanto ao registro de antibióticos como aditivos de produção (ex. MAPA no caso do Brasil). Em especial, a OMS recomendou que seja avaliado, neste momento, o impacto do uso destes medicamentos sobre a  saúde humana (considerando-se dados sobre resistência em patógenos de relevância clínica).

2. Instituição de vigilância e de monitoramento da resistência microbiana e do uso de antibióticos. A vigilância deve ser direcionada aos patógenos animais conhecidos como agentes de zoonoses (ex. Salmonella spp., Campylobacter spp., etc.) e bactérias indicadoras de resistência (Escherichia coli, Enterococcus spp.), incluindo isolados de animais, de produtos de origem animal e, também, do homem.  Paralelamente sugere-se monitorar a magnitude do uso de antibióticos de forma tal a permitir a realização de análises epidemiológicas mais corretas.
3. Instituição do uso prudente de antibióticos em animais de produção, isto é, implementar medidas visando  melhorar as condutas terapêuticas e, ao mesmo tempo, reduzir a ocorrência de resistência. Em especial, os Médicos Veterinários assumiriam a responsabilidade pela prescrição destes produtos como medicação ou como aditivos zootécnicos, nas condições e em regimes terapêuticos apropriados.
4. Implementação de medicas ligadas à educação e ao treinamento dos profissionais que prescrevem ou empregam o uso de antibióticos em manejo agropecuário. Neste ponto, devem ser implementadas ações de ensino no âmbito da graduação, pós-graduação e, também, em nível de educação continuada com vistas a promover o uso racional dos antibióticos.
5. Implementação de atividades de pesquisa ligadas ao estudo do desenvolvimento de resistência bacteriana; estas atividades deveriam ser consideradas prioritárias, recebendo suporte financeiro adequado de governos, universidades e fundações de apoio à pesquisa.

Conclusão

É necessário que médicos veterinários, zootecnistas e outros profissionais ligados ao agronegócio avícola e suinícola – incluindo-se aqui os produtores rurais – juntem seus esforços aos dos médicos e profissionais ligados à área de saúde humana, não apenas no sentido de fazer um uso racional e seguro dos antimicrobianos mas, também, no sentido de controlar a dispersão de bactérias resistentes ou de genes de resistência. Esta é a posição que vem sendo  empregada e recomendada como estratégia global pela OMS e OIE para o controle e manejo da resistência aos antibióticos. No entanto, e como já se disse, é preciso que estas políticas ultrapassem os limites impostos pela retórica dos debates e que sejam livres de paixões. De fato, se a questão do uso de antibióticos em animais de produção ficar restrita apenas aos debates ou às pressões para que se adotem posturas pró União Européia (princípio de precaução) ou pró Estados Unidos (princípio da prova) todos teremos a perder. Mais do que nunca é preciso deixar a retórica e buscar a práxis.