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Milho e soja

A produção de milho no Brasil em 2002 deve ficar por volta de 35,7 milhões de toneladas e a produção de soja em cerca de 41,9 milhões de toneladas.

Redação AI (Edição 1107/2002) – O ano de 2002 ficou marcado pela dificuldade no abastecimento de milho e pelos altos preços do grão no mercado nacional. Em 2001, o Brasil produziu 41 milhões de toneladas de milho. Para 2002, a projeção é de 35,7 milhões de toneladas. A queda da produção deveu-se principalmente à menor rentabilidade da lavoura de milho em relação a outras culturas. “Vários fatores atuam sobre a decisão de plantio: preços de venda, rentabilidade, condições climáticas, disponibilidade de crédito e de insumos, liquidez no momento da colheita, logística de comercialização, informações de mercado e grau de capitalização do produtor no momento da decisão”, explica o engenheiro agrônomo – MS e PhD, Alfredo Navarro de Andrade. Segundo ele, muitos destes fatores estão interligados. “Por exemplo, a liquidez no momento da colheita depende da oferta, depende da disponibilidade de crédito e da logística de comercialização. E neste ano, todos esses itens favoreceram a soja”.

Confira abaixo e entrevista que a Avicultura Industrial (AI) fez com o agrônomo, que também é representante no Brasil do US Grains Council e gerente geral da Saf do Brasil – Divisão Agropecuária.

AI – Em 2001, o Brasil produziu 41 milhões de toneladas de milho. Para 2002, a projeção é de pouco mais de 35 milhões de toneladas. Por que houve essa queda na produção, se os setores da avicultura e da suinocultura (principais consumidores do milho produzido no País), por exemplo, já anunciavam no ano passado um aumento significativo na produção de carne?

Alfredo – A queda da produção deveu-se principalmente à menor rentabilidade da lavoura milho em relação a outras culturas. Vários fatores atuam sobre a decisão de plantio: preços de venda, rentabilidade, condições climáticas, disponibilidade de crédito e de insumos, liquidez no momento da colheita, logística de comercialização, informações de mercado e grau de capitalização do produtor no momento da decisão. Muitos destes fatores estão interligados. Por exemplo, a liquidez no momento da colheita depende da oferta, depende da disponibilidade de crédito e da logística de comercialização. Demos este exemplo, pois no caso milho/soja, estes fatores têm favorecido a soja, senão vejamos: a soja por ser uma cultura basicamente de exportação, parte significante da lavoura já foi vendida muito antes da colheita, portanto a pressão de venda para pagamento de compromissos bancários é menor (por este mecanismo, os produtores conseguem um financiamento com juros muito menores que os do milho). No momento da colheita da soja, toda a logística de transporte está voltada para este grão, trazendo dificuldades para o produtor de milho mover sua safra neste período (isto diminui a liquidez do milho). A soja, no Brasil central, já tem grande percentual de seu transporte realizado por ferrovia e/ou hidrovia (no caso do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, este valor já atinge 50 % da safra, segundo a Abiove – Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) ao contrário do milho que ainda depende pesadamente do transporte rodoviário, muito mais caro.

No entanto, sem dúvida, o grande fator de decisão é o lucro do produtor com a cultura, e neste caso, a super produção de 2001 mais os diversos fatores listados acima, fizeram com que a rentabilidade do produtor de milho fosse menor e, portanto, no momento da decisão de plantio, ele optou por culturas que apresentassem menor risco e, consequente maior rentabilidade.

É importante lembrar que, tradicionalmente, o agricultor faz a decisão muito mais baseado pelos resultados obtidos na última lavoura e pelas condições prevalecentes no momento da decisão. Neste ítem, o produtor de soja também está mais protegido, uma vez que pela prática da compra antecipada da safra, existe uma sinalização mais clara do cenário por ocasião do plantio, o que não acontece com o milho.

Este ano, 2002, talvez tenha sido o primeiro na história que um volume já de certa forma importante, cerca de 8% a 10 % da safra, foi comercializado antecipadamente. Acreditamos que, à medida que este tipo de operação, a exemplo da soja, aumente, as intenções de plantio venham a aumentar, possibilitando um cenário de produções crescentes, principalmente na safra de verão, o que não vem ocorrendo na última década.

AI – A produção de milho no Brasil em 2002 deve fechar em qual volume, efetivamente? E a produção da soja?

Alfredo – De acordo com as projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção de milho deve fechar com um volume variando de 35.083,9 (29.081,1 + 6.002,8) a 35.739,2 mil toneladas (29.736,4+6.002,8), enquanto a soja deve atingir 41.906,9 mil toneladas.

É importante frisar que a produção de soja vem crescendo ano após ano, enquanto que a produção de milho está praticamente estaganda ao redor de 36 milhões de toneladas, com uma área que não vem apresentando grandes variações ao longo do tempo. Na realidade, no caso do milho houve até uma redução na área de plantio de milho da safra de verão que foi compensada por acréscimo na área de safrinha.

No que se refere à produtividade, a da soja também vem tendo ganhos percentuais superiores as do milho.

A área com a cultura da soja vem crescendo continuamente desde o início da década.

AI – O ano de 2002 foi muito difícil para a avicultura brasileira devido aos altos custos com a alimentação das aves, cuja base é o milho. Com a alta do dólar no mercado brasileiro, o preço da saca do milho disparou, pois o produto é balizado pela moeda americana. Nesse sentido, gostaria que o senhor explicasse porque o milho, assim como a soja, seguem cotações em dólar? O que é produzido no País para o consumo doméstico não poderia ter uma política de preço diferenciada?

Alfredo – Não acreditamos que o preço do milho tenha disparado por causa da alta do dólar. É claro que a alta do dólar tem efeitos negativos nas cotações de milho, no que se refere ao aumento da competividade do milho brasileiro no mercado internacional, favorecendo as exportações. No entanto, somos da opinião de que a principal causa dos aumentos nas cotações do milho foi a diminuição da oferta. É evidente, como a Avicultura Industrial bem observou, que de uma safra recorde de 41 milhões de toneladas, nossa produção caiu para ao redor de 36 milhões de toneladas, volume que sozinho jamais daria para atender o consumo interno que é superior a 3,2 milhões de toneladas. Se nós considerarmos que em 2001 o Brasil exportou mais de 6 milhões de toneladas, o saldo que sobrou de 2001 para 2002 foi muito pequeno, gerando uma situação de oferta muito reduzida, que ainda foi pressionada por exportações (1,7 milhões de tons). Em nossa opinião, o milho não é cotado em US$ e esta é uma das causas da baixa expansão da produção.

A soja é cotada em dólar, pois é um produto de exportação. O Brasil, em 2002, deverá exportar cerca de 37 % do grão, 62 % do farelo e 40 % do óleo de soja produzido. A produção de soja hoje é, talvez, a atividade agrícola que mais use os diversos mecanismos de comercialização disponíveis, desde as operações através da Bolsa Mercantil de Futuros à compra antecipada por exportadores e/ou esmagadores. É também a cultura que tem os melhores e mais precisos números disponíveis.

A adoção de qualquer política diferenciada de preços para qualquer comodity agrícola, interferiria na lei de oferta e procura, afetando de forma negativa o processo produtivo e dando margens ao uso político do sistema.

Ainda com relação a políticas diferenciadas, faz-se importante mencionar que, no momento, alguns setores da avicultura e suinocultura estão reinvindicando a proibição da exportação para forçar uma baixa nos preços de mercado. Achamos esta reinvidicação um total disparate, pois seria o mesmo que se proibir a exportação de frangos para que os preços fossem menores e possibilitasse um maior consumo pelas classes de menor renda.

O que precisamos é de regras iguais para quem exporta e para quem importa. Precisamos de dólares para nosso superávit primário e, por isso, não podemos prescindir de qualquer exportação. A exemplo do que acontece com o complexo soja, onde o Brasil exporta o máximo quando pode, normalmente na entressafra americana e depois importa eventuais faltas na safra americana em condições, muitas vezes, mais vantajosas. O mesmo deveria ocorrer no milho. Poderíamos exportar nos momentos de procura internacional e depois importar sem impostos, nos momentos de entressafra interna.

AI – Além da alta do dólar, quais foram os principais entraves para o mercado de milho no Brasil em 2002?

Alfredo – Como respondemos acima, o principal entrave foi falta de produção, acrescido por uma diminuição da importação e  aumento de exportações.

AI – A importação de milho em 2002 foi uma boa saída para o Brasil? De quais países o Brasil comprou milho este ano?

Alfredo – Não. Infelizmente o Brasil não importou quantidades suficientes de milho. Dois fatores pesaram nesta decisão: a alta do dólar que encareceu o produto importado e a falta de produto no fornecedor tradicional. Acrescido a isto, houve a preocupação dos transgênicos. Existe o medo de que importações de milho GM (geneticamente modificado) tenham sua descarga proibida por medidas judiciais.

O Brasil tradicionalmente tem a Argentina e o Paraguai como seus tradicionais fornecedores de milho, com a Argentina sempre sendo a maior exportadora. Em 2001, pela primeira vez o Paraguai tem uma participação maior que a Argentina.

Como sempre, as informações foram conflitantes e o cenário era de que haveria milho para se enfrentar a entressafra. Agora veio a dura realidade: não existe milho suficiente, temos que importar. Mas de onde? A Argentina, além de não ter, se tivesse seria contaminado com GM. Existe um pouco no Paraguai. As alternativas seriam EUA, Ucrânia e China. Neste caso, aparecem alguns entraves adicionais: importação de grãos de fora da área do Mercosul tem que pagar tarifa de 8,5 % (TEC). Sendo que, dos EUA ainda haveria o problema dos transgênicos, a menos que os importadores comprassem milhos não transgênicos de preços mais altos.

Para importação de países não tradicionais, como China ou Ucrânia, há a demanda de negociações mais demoradas e, considerando a falta atual (Nov e Dez), dificilmente, este milho chegaria em tempo.

A solução seria a importação de milho dos EUA sem a TEC e com permissão para utilização de milho GM só para rações, como foi feito há dois anos.

AI – Quem deixou de plantar milho para plantar soja em 2002 fez boa escolha? Por quê?

Alfredo – Se a pergunta se refere a quem deixou de plantar milho para esta safra de verão (agosto a novembro de 2002  plantio), acreditamos que a decisão foi feita com base nos preços do feijão e da soja. No plantio mais precoce de milho, que ocorre nas áreas de culturas irrigadas, houve um aumento de feijão em detrimento do milho. No geral, a redução de área de milho se deu por causa da maior garantia de retorno para soja. O produtor prefere garantir uma boa rentabilidade do que assumir riscos. Por isso acredito que a decisão dos agricultores tenha sido acertada.

AI – E os transgênicos? Em sua opinião, o Brasil deveria abrir as portas para o milho transgênico para suprir a demanda da indústria da alimentação animal? (Em 2001, o setor de alimentação animal consumiu 23,9 milhões de toneladas de milho).

Alfredo – O problema é complexo. Acreditamos que o Brasil deva permitir o plantio dos produtos transgênicos que tenham sido aprovados pela CTNBio. Muita gente, que não sabe diferenciar ciência de ficção, está opinando e influenciando as decisões do governo. O Brasil não pode ficar na contra-mão da ciência. As barreiras da União Européia contra transgênicos são muito mais comerciais do que baseadas em fatos científicos que atestem qualquer problema de saúde pública, tanto é que a Diretiva de 17 de Outubro de 2002 (IP/02/1513) da Comissão Européia, autoriza a liberação de OGM (Organismos Geneticamente Modificados) na União Européia, no entanto permite que países membros legislem da forma que quiserem. Atitude de Pilatos no credo.

O próprio Japão, em outubro deste ano, liberou a importação de OGM. A Europa, que tem sido contrária à utilização de grãos transgênicos,  utiliza OGMs na produção de seus vinhos.

A verdade é que o Brasil está tendo o custo ecológico e agrícola de não utilizar os OGM`s aprovados e ao mesmo tempo não está recebendo os prêmios por não ter OGM, tão destacados na campanha contrária a eles.

AI – Como deve ser o cenário do mercado do milho e da soja em 2003 (plantio e preços)? A próxima safra desses dois grãos deverá atingir   que volumes?

Alfredo – Apesar de conflitantes, os dados permitem estimar uma produção de milho similar à observada em 2002. A safra de verão terá uma redução de área compensada por um aumento de produtividade, no entanto comprometida por uma redução na safra do Norte/Nordeste. Para a safrinha, onde a Conab estimava inicialmente uma produção superior a 8,5 milhões de tons, sabe-se, hoje, pelo último levantamento da Conab, que em função dos atrasos no plantio da safra de verão, esta produção não deverá ser siginificativamente diferente da de 2002, portanto estamos falando de uma safra ao redor de 37 a 38 milhões de toneladas, com São Pedro ajudando, uma vez que o plantio de verão já terminou.

A soja continuará aquecida pelas boas cotações internacionais, seguindo de vento em popa. A safra de 2003 está estimada entre 47 e 48 milhões de toneladas, a previsão de exportação do complexo soja é esperada como melhor do que em 2002, com um aumento na exportação de grãos de 37 % para 57 % da produção, permanecendo os mesmos percentuais para óleo e farelo.

No que se refere a preços, a menos que se resolva o problema de importação de milho e/ou sucedâneos, o cenário é de falta de milho com preços bastante aquecidos. A soja deverá seguir as tendências internacionais com preços firmes, mas sem grandes altas reais.

AI – Já é possível arriscar uma previsão sobre o mercado de grãos brasileiro com a entrada do novo governo?

Alfredo – Algumas coisas já começam a transparecer:
a) A forma tranquila como está sendo feita a transição e a postura austera com reiteradas afirmações da manutenção de contratos e da responsabilidade fiscal, já tranquilizou o mercado e o dólar inicia seu retorno a patamares normais, o que beneficiará o setor agropecuário sem afetar o ritmo das exportações. Já se fala de dólar a R$ 3,05 na virada do ano.
b) Pelas afirmações da equipe de transição e do próprio presidente eleito, pode-se  prever um aumento das linhas de crédito para a agricultura e uma desoneração tributária, ao menos em alguns segmentos da agricultura.
c) Ainda é cedo para se tecer considerações sobre a área da pesquisa agropecuária. As únicas afirmações que, em nossa opinião, podem prejudicar o desenvolvimento, foram declarações, pré-eleição, de uma extensão por quatro anos da moratória dos OGM.
d) A ênfase na necessidade de aumentar as exportações passa, necessariamente, por maior apoio às atividades produtivas, pois quem exporta no País é o agronegócio. Portanto, somos da opinião de que o cenário no novo governo será melhor em 2003 do que foi em 2002.