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Miopatias em frangos de corte e o uso de enzimas exógenas

Por Alexandre Barbosa de Brito, Médico Veterinário, PhD em Nutrição Animal<br /><br />

Miopatias em frangos de corte e o uso de enzimas exógenas

A produção avícola sempre foi reconhecida pela eficiência entre os recursos empregados no sistema e o volume de proteína produzida. Não é exagero dizer que este setor ajuda na manutenção da segurança alimentar de bilhões de pessoas em todo o mundo.

No entanto, a avicultura de corte enfrenta vários desafios devido ao aumento acentuado para a demanda global por proteínas animais de alta qualidade. Para se ter uma ideia, a produção total de carne deverá crescer mais de 40 Mton no período de 2016 a 2028, atingindo quase 364 Mton (Gráfico 01). Em geral, a maior parte deste crescimento será atribuída ao mercado de frangos de corte (50% do volume total de crescimento nestes 12 anos de avaliação), e deverá ser 2,7 vezes superior nas regiões em desenvolvimento, em especial América Latina, África e Ásia que nas regiões desenvolvidas do globo (FAO 2019).

Alexandre Brito

Gráfico 01
Crescimento (em Mton) da produção de carne mundial de 2016/2028 por região e tipo de carne.
FAO (2019)

 

Desta forma, a necessidade de resolver o problema associado à alta incidência de distúrbios metabólicos, como miopatias, tem atraído enorme atenção do setor. O distúrbio conhecido como Peito Amadeirado está emergindo em uma escala global (Sihvo et al., 2014) e tem sido descrito como uma rigidez extrema do músculo peitoral por uma degeneração muscular extrema (Petracci & Cavani, 2012).

Esta alteração fenotípica do músculo peitoral está associada a graus variáveis de severidade compreendendo alterações sensoriais, tais como: cor pálida, hemorragia superficial e listras brancas. Embora a etiologia do distúrbio ainda não seja totalmente conhecida, vários estudos especularam fatores potenciais para a ocorrência do peito amadeirado, incluindo hipóxia muscular localizada (Mutryn et al., 2015), estresse oxidativo e o aumento dos níveis de cálcio intracelular (Soglia et al., 2016).

Além da preocupação com o bem-estar animal, o impacto desta miopatia na qualidade da carne de aves resultou em grandes perdas econômicas. De fato, o peito amadeirado possui grave impacto na textura da carne, no conteúdo de proteínas e na capacidade de retenção de água, gerando problemas na aceitação e compra pelo consumidor. Ou seja, existe uma necessidade crítica de definir as assinaturas moleculares envolvidas nesta miopatia para o desenvolvimento subsequente de estratégias baseadas em mecanismos (genéticos, nutricionais e/ou de manejo) para reduzir sua incidência.

Visando elucidar estes tema, um excelente estudo foi desenvolvido pela equipe de pesquisadores da Universidade de Arkansas/EUA (Greene et al., 2019), com o objetivo de fornecer evidências sobre como a homeostase do oxigênio circulatório e do músculo peito pode ser desregulada, juntamente com a ativação das vias de sinalização hipóxica em frangos acometidos por miopatia de peito amadeirado, além de avaliar a eficácia do uso de fitase (Quantum Blue®) nos parâmetros hematológicos e na melhora da expressão gênica relacionada com metabolismo de oxigênio no sangue e no músculo peitoral de aves de corte.

Para isto, os autores utilizaram um total de 576 aves de corte machos de 1 dia de idade (Cobb 500). Os animais foram pesados no dia da eclosão e distribuídos aleatoriamente em 48 boxes em um ambiente controlado. As aves tiveram acesso ad libitum a água e ração durante o estudo. As aves foram alimentadas com seis tratamentos dietéticos em um delineamento inteiramente casualizado. As dietas foram iso-nutritivas sendo que o Controle Positivo (CP) foi formulado de forma a atender aos requisitos nutricionais da tabela Cobb. Myo-inositol (Sigma-Aldrich) foi adicionado à dieta de CP na taxa de 0,30% para criar o segundo tratamento (CP + MI). A terceira dieta o controle negativo (CN), com redução do aporte mineral na proporção de 0,15% de P.disp, 0,16% de Ca e 0,03% de Na. A dieta NC foi suplementada com 500 (CN+500), 1.000 (CN+1000) ou 2.000 (CN+2000) FTU/kg. Veja a composição dos alimentos completos clicando neste link.

O ganho de peso corporal, a taxa de conversão alimentar e a eficiência alimentar foram determinados semanalmente. A avaliação de escores de Peito Amadeirado seguiu a metodologia descrita por Mallmann et al. (2017), sendo que a ocorrência da miopatia foi estimada via palpação de aves vivas semanalmente. Após o processo de abate (aos 56 dias), os filés de peito foram classificados macroscopicamente nas categorias de grau 0 (normal); grau 0,5-1,5 (moderado – com endurecimento leve na área S1/S4); e grau 2-3 (severo – com endurecimento grave e lesões hemorrágicas na região S1/S4).

Amostras de sangue e de músculo peitoral foram coletados de oito aves/tratamento, para avaliação do conteúdo de Myo-Inositol. Metabólitos circulantes também foram avaliados por kits colorimétricos e espectrofotometria (glicose plasmática, triglicerídeos, colesterol, creatina quinase, lactato desidrogenase, ácidos graxos não esterificados e níveis de ácido úrico). Análises de química sanguínea e hematologia igualmente foram avaliados usando o sistema i-STAT Alinity (PH sanguíneo, pressão parcial de CO2, CO2 total, pressão parcial de O2, nível de bicarbonato, excesso de base, saturação de O2, sódio, potássio, cálcio ionizado, glicose, hematócrito e hemoglobina).

A medição da homeostase do oxigênio no músculo do peito foi realizado utilizando-se espectroscopia óptica seguindo metodologia descrtita por Dadgar et al. (2018). A luz difusa refletida do peito de frango foi coletada na faixa espectral de 475 a 600 nm, sendo que vários espectros foram medidos nas regiões S1, S2, S3 e S4. Por último, amostras de músculo do peito foram coletadas da região S1/S2 de aves afetadas e outras saudáveis, sendo o RNA extraído destas amostras e avaliadas usando eletroforese em gel e depois submetidos a avaliação de qPCR.

No Gráfico 02 encontra-se apresentado os resultados de desempenho zootécnico, demonstrando como o tratamento NC foi impactado quanto ao perfil de performance, frente aos demais tratamentos (P<0,05). De acordo com os autores, devido ao desenho do projeto (trabalhado para gerar o máximo potencial de performance possível com uso de dietas de níveis nutricionais elevados) as demais respostas tiveram um resultado similar para o desempenho dos animais.

Alexandre Brito

Gráfico 02
Resultados de conversão alimentar (CA) e peso vivo (PV) de aves de 0 a 56 dias de idade, consumindo seis dietas diferentes quanto ao uso de fitase, Myo-Inositol e níveis de macro-minerais. Onde: ab(P<0,05)
Adaptado de Greene et al. (2019)

 

No Gráfico 03 pode ser observado os resultados de escores de lesão de peito amadeirado obtido em aves aos 56 dias abatidas (Grafico 03-A) e uma comparação com os dados realizados por palpação com aves vivas (Grafico 03-B). Nestas avaliações fica claro a forte redução de peito madeira em aves de baixo potencial de performance (grupo NC), além da redução desta incidência em animais que consumiram altas doses de fitase. Sendo, esta última, uma possibilidade para a manutenção de alto potencial de desempenho com níveis aceitáveis de escores severos de peito amadeirado.

Alexandre Brito

Gráfico 03
Escores de incidência de peito amadeirado de aves consumindo seis dietas diferentes quanto ao uso de fitase, Myo-Inositol e níveis de macro-minerais, onde: (A) média de avaliações realizadas aos 56 dias de idade (aves abatidas); (B) comparação entre o método de palpação de aves vivas e do escore de aves abatidas.
Adaptado de Greene et al. (2019)

 

No Gráfico 04, os autores demonstram a avaliação a saturação de oxigênio no músculo peitoral (medição de difusão do oxigênio ao tecido dos animais) de aves de corte em 4 quadrantes peitorais diferentes. Interessante notar que existe uma variação nesta saturação entre os quadrantes em diferentes idades dos animais, porém estes valores não assumem um papel relevante até 35 dias de idade. Após isso, existe uma diferenciação de saturação de oxigênio significativa (P<0,05) entre aves afetadas versus aquelas não afetatas por miopatias, seja qual for o quadrante avaliado.

Alexandre Brito

Gráfico 04
Saturação dos níveis de oxigênio de aves afetadas com peito amadeirado (+) e aves saudáveis (-) em diferentes regiões de avaliação no peito de frangos de corte (S1, S2, S3 e S4) de 3 a 6 semanas de idade.
Adaptado de Greene et al. (2019)

 

Na Tabela 01 encontra-se um resumo dos dados de metabólitos plasmáticos e de minerais nos músculos de aves afetadas ou não por miopatias. Interessante observar que as aves afetadas, em média, possuem uma menor deposição de minerais (P<0,05), ressalva feita aos níveis de Ca, Na e Zn. Os autores também comentam que uso de doses mais elevadas de fitase pode ajudar no ajuste destes níveis no tecido dos animais por melhor solubilidade de macro e micro-minerais no duodeno, jejuno e íleo.

Alexandre Brito

Já na Tabela 02, encontram-se apresentados os resultados de hematologia de aves afetadas ou não por miopatias. Ressalta-se os valores de hemoglobina, que reduzem significativamente (P<0,05) naquelas aves com peito amadeirado, sendo este um dos principais pontos geradores desta condição anormal, ou seja, alternativas que melhorem a solubilidade de minerais (Fe, Zn, Se, etc…) podem ajudar a incrementar os parâmetros hematológicos dos animais, gerando uma redução da ocorrência de peito amadeirado. Dentre estas ferramentas, uma fitase de alta atratividade para seu substrato como Quantum Blue®, pode ajusdar na elevação desta solubilidade mineral no organismo das aves.

Alexandre Brito

Corroborando com a colocação anterior, no Gráfico 05 foi avaliado a expressão de genes sensíveis ao transporte e difusão de oxigênio nos tecidos das aves, sendo que doses elevadas de fitase incrementou linearmente esta expressão gênica quando comparamos dietas com a mesma composição nutricionais (CN).

Alexandre Brito

Gráfico 05
Dietas enriquecidas com fitase modulam a expressão de genes sensíveis ao oxigênio no músculo do peito de frango. A expressão gênica relativa de mioglobina (A), hemoglobina a-1 (B), subunidade da hemoglobina RHO (C), hemoglobina E (D), subunidade da hemoglobina ZETA (E) e Egl nine homolog 1 (F) foi determinada por qPCR. Os dados são apresentados como média 8 aves/tratamento. Onde: ∗indica diferença significativa em (P<0,05).
Adaptado de Greene et al. (2019)

 

Em conclusão, este trabalho representa a primeira evidência mecanicista, até onde sabemos, que demosntra como a miopatia de peito amadeirado está associada à hipóxia sistêmica e local dos músculos peitorais. Os autores também descrevem que o uso de Quantum Blue® em doses elevadas foi identificado como uma excelente estratégia nutricional para reduzir a gravidade desta ocorrência, pois não determina a necessidade de redução na curva de ganho dos animais.