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Comentário Avícola

O uso de carboidrases na nutrição avícola: mitos e realidades

Por Alexandre Barbosa de Brito, médico veterinário, PhD em Nutrição Animal

O uso de carboidrases na nutrição avícola: mitos e realidades

Devido ao preço atual de commodities energéticas (milho, complexo óleo/gordura, entre outras), o uso de enzimas exógenas para melhorar o aproveitamento energético de ingredientes vem tomando uma participação de grande relevância. As carboidrases assumiram o papel de segundo grupo de enzimas de maior importância em nutrição de monogástricos, estando atrás apenas das fitases. Esta revisão aborda a questão prática de selecionar uma carboidrase servindo como dado de suporte aos leitores desta coluna.

O uso comercial das carboidrases em dietas de aves começou no final dos anos 80 e início dos anos 90 por causa de sua capacidade de corrigir o problema de energia metabolizável aparente (EMA), associada a elevada liberação dos níveis de energia nas dietas que continham trigo. Desde então, centenas de estudos foram publicados explorando propriedades antinutricionais dos polissacarídeos não amiláceos (PNA) viscosos em certos grãos de cereais; porém, o uso de carboidrases que atuam no substrato chamado PNA insolúvel aumentou nos últimos anos e a maior parte deste crescimento vem do segmento de mercado que usa dietas não viscosas (dietas americanas a base de milho e farelo de soja).

Uma grande variedade destas enzimas está disponível hoje para a indústria de alimentação animal, tal como o uso de monocomponentes enzimáticos, até mesmo pelo uso de produtos de mais de uma atividade (produtos chamados de “complexos multi-enzimáticos”) que mostram, além da execução principal, diversas outras ações.

Estas ações podem gerar aos consumidores uma possível confusão entre a melhor estratégia para o uso na avicultura de corte ou para a alimentação de poedeiras. Desta forma procurei neste mês trazer um resumo de uma excelente publicação (Aftab & Bedford, 2018) que tenta elucidar as diferenças entres estas táticas, visando contribuir com os nutricionistas na melhor opção para diferentes situações.

O volume de PNA realmente é importante nas dietas sul-americanas. Em verdade, este fator antinutricional chega a representar o segundo maior componente de dieta de aves, estando abaixo apenas do teor de proteína bruta. É normal observarmos valores de 9 até 10% de PNA total nestes alimentos.

Porém, a abundância relativa do substrato ou volume de substratos apresentados por uma dieta não pode ser visto como o único critério para a adequação de uma solução da enzima. Pode-se argumentar que carboidrases não devem ser consideradas como enzimas digestivas clássicas e que sua melhor resposta pode não estar na simples consideração da função da extensão da hidrólise do substrato, seja in vitro ou in vivo. Medidas baseadas em respostas multifatoriais, por exemplo, a morfologia do intestino, a digestibilidade de nutrientes e/ou energia, o desenvolvimento de flora intestinal ou perfis de fermentação são úteis para realizar uma compreensão mais ampla do fenômeno sobre como estas enzimas se interagem com seu substrato.

Um ponto importante a ser considerado refere-se ao uso associado de complexos enzimáticos. Várias opções de carboidrases comerciais estão disponíveis no mercado. A maioria, se não todos, tem a xilanase como a atividade chave, o que nos leva a uma pergunta: Se a xilanase é uma “atividade necessária”, a presença de outras atividades adicionais faz com que o produto final seja mais eficaz?

Os “coquetéis” podem não ser o melhor caminho quando objetivamos a melhor ação no desempenho animal, como pode-se observar nas Tabelas 1 e 2, onde o efeito da xilanase foi eficiente para incrementar a digestibilidade de nutrientes, o que respalda o efeito energético desta enzima. Porém, não houve efeito sinérgico quando se adicionou um coquetel enzimático na sequência.

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(Amerah et al., 2017)

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(Stefanello et al., 2015)

 

A explicação para esta ocorrência foi destacada por Cowieson et al., (2010), onde os autores concluíram que a suplementação do controle negativo com glucanase e xilanase melhorou a taxa de conversão alimentar e a digestibilidade ileal dos nutrientes. Quando ambas as enzimas foram adicionadas simultaneamente, um efeito subaditivo foi observado (efeito que resultou em benefícios maiores do que a enzima independentemente, mas menos do que a soma dos efeitos individuais). Desta forma, a escolha das carboidrases deve ser realizada com parcimônia, associando-se sempre o benefício zooeconômico como ferramenta de decisão principal.

Mas mesmo estas interpretações requerem uma avaliação cuidadosa como um critério independente da utilidade de uma carboidrase, pois os dados de desempenho são sempre os juízes da eficácia de uma enzima digestiva.

Um exemplo deste relato pode ser comprovado por um trabalho apresentado por Slominski et al. (2006). Estes autores trabalharam com o uso de uma alfa-galactosidade em uma dieta de alto nível de PNA a base de trigo, farelo de soja e canola, em três tratamentos diferentes (Controle – sem enzimas + 100 e 500 g da enzima avaliada), sendo o resultado de ganho de peso influenciado positivamente pelo o uso da enzima em 100g/ton. O resultado, porém, foi sem resposta aos 500g, mesmo com a resposta linear para a digestibilidade de PNA da dieta (Tabela 3).

Desta forma, ter como o objetivo a extensa hidrólise de PNA faria sentido se os produtos finais estivessem disponíveis como uma fonte direta de energia útil para o animal e isso deve ser questionado em duas frentes. Primeira, a possibilidade de gerar uma hidrólise suficiente do substrato sob as limitações do intestino (em especial quanto ao tempo de ação) de um animal é remota; Segunda, o destino possível dos monossacarídeos constituintes das frações de PNA pré e pós-absorção em dietas práticas, tornaria a ideia de uma hidrólise extensiva deste substrato indesejável.

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Pesquisas mais recentes têm demonstrado que uma ação muito forte na carboidrase no substrato de PNA, gerando um volume elevado de açúcares simples, que produz um volume de frações fibrosas não desejáveis, pois interferem negativamente na modulação intestinal dos animais reduzindo seu desempenho zootécnico (como observado na tabela 3). Desta forma, utilizar uma dose adequada para proporcionar um bom efeito na modulação intestinal parece ser o caminho mais correto.

Visto este breve relato, fica claro que a escolha de uma fonte de carboidrase passa por uma série de informações relevantes, sendo as principais a busca correta do perfil do substrato, efeito em modulação da flora intestinal, características de atividade enzimática, entre outros fatores, o que faz com que o uso desta enzima seja realmente de escolha muito técnica.

Esperamos que no futuro o uso destas estratégias de nutrologia sejam cada vez melhor aplicadas para melhorarmos a eficiência produtiva animal e um desenvolvimento sadio do trato gastrintestinal.