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Entrevista

Os antimicrobianos e a resistência bacteriana na avicultura

O professor da FMVZ/USP, João Palermo Neto, refuta a ideia de que a utilização dos antimicrobianos como aditivos na produção animal sejam os únicos responsáveis pela maior incidência de casos de resistência bacteriana, defendendo o uso prudente como forma de preservar as atuais moléculas em uso.

Os antimicrobianos e a resistência bacteriana na avicultura

A resistência bacteriana é um dos temas mais discutidos no meio científico internacional nos últimos anos. Há um temor de que as atuais moléculas antimicrobianas percam sua eficácia diante de bactérias resistentes a elas. Um sério problema tanto em saúde humana quanto veterinária. Principalmente, se levarmos em consideração o não desenvolvimento recente de novas moléculas de antimicrobianos pela indústria farmacêutica.

O tema afetou em cheio o setor produtivo animal, desde que a União Europeia baniu o uso dos antibióticos como aditivos na alimentação. Uma das motivações foi a possível resistência cruzada entre Vancomicina, de uso humano, e Avoparcina, de uso veterinário, já que ambas pertencem ao mesmo grupo farmacológico. “Quando se detectou bactérias resistentes à Vancomicina, a Europa atribuiu o desenvolvimento desta resistência ao uso da Avoparcina como aditivo em produção animal. Uma relação que nunca foi provada”, afirma João Palermo Neto, professor Titular da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP).

A decisão europeia levou consumidores em todo o mundo a atribuir aos antimicrobianos utilizados como aditivos nas rações a culpa pelo aumento dos casos de resistência bacteriana. “Não há nenhum trabalho científico que aponte uma relação causal entre o uso dos aditivos em veterinária e o aumento da incidência de bactérias resistentes”, ressalta Palermo.

Especialista em farmacologia, com pesquisas relacionadas à análise de risco em segurança alimentar e diversos trabalhos sobre antibioticoterapia em produção animal, Palermo é uma das principais autoridades veterinárias do País na questão de resistência bacteriana. Defensor do uso prudente como forma de preservar as moléculas antimicrobianas, afirma que a Ciência deveria embasar todas as decisões sobre este tema, o que nem sempre acontece. Nesta entrevista, aborda todo o histórico da resistência bacteriana, passa pelo conhecimento em relação ao que é feito em medicina veterinária de animais de produção e afirma ainda ser impossível produzir eficientemente aves e suínos sem o uso de aditivos antimicrobianos. Confira. 

Avicultura Industrial – Nos últimos anos, o consumidor passou a se preocupar com a questão da resistência bacteriana a antimicrobianos dentro da produção animal, por entender que ela tem impacto direto sobre a saúde humana. O motivou este processo?

João Palermo Neto – A resistência bacteriana aos antimicrobianos é algo que tem preocupado muito a comunidade científica nacional e internacional, principalmente na União Europeia, mas esta preocupação também ocorre nos Estados Unidos e em outros países. Muitos encontros científicos foram realizados a respeito deste tipo de ocorrência. Se formos buscar na literatura, veremos que os antibióticos foram desenvolvimentos há muito tempo; e hoje praticamente nenhuma molécula nova tem sido sintetizada ou desenvolvida. Produtos que contêm antibióticos são desenvolvidos, mas são produtos novos com moléculas antigas. Surgiu então, dentro da comunidade científica, o consenso de que alguns cuidados deveriam ser adotados para preservar a eficácia dos antimicrobianos, tanto em medicina veterinária quanto humana. Como novas moléculas não estão sendo produzidas e desenvolvidas, a decisão foi pela preservação das existentes. A partir daí muitas discussões passaram a ser feitas, principalmente diante do posicionamento da União Europeia, que decidiu banir ou proibir o uso dos antimicrobianos como aditivos na produção animal. Decisão sem nenhum fundamento científico que a embasasse. Eles alegaram que o uso destes antimicrobianos como aditivos estariam associados ao aumento do desenvolvimento de bactérias resistentes, principalmente as que acometem animais domésticos. É cientificamente comprovado que, toda vez que se utiliza um antimicrobiano em doses pequenas por um tempo prolongado, existe a possibilidade de se induzir ao desenvolvimento de resistência bacteriana. Sendo esta a premissa utilizada pela União Europeia, a atitude adotada não se justifica. Há um intenso uso de antibióticos em medicina humana, agronomia, odontologia. O desenvolvimento de bactérias resistentes não é uma ocorrência única e exclusiva da medicina veterinária. É até plausível acreditar que o uso dos antimicrobianos como aditivos ou de forma terapêutica nos animais possa contribuir para este processo, mas a medicina veterinária não pode ser responsabilizada como a única causadora da resistência bacteriana. 

AI – Não há estudos científicos que comprovem esta relação?

Palermo – Não há nenhum trabalho científico que aponte uma relação causal entre o uso dos aditivos em veterinária e o aumento da incidência de doenças por bactérias resistentes em pacientes hospitalizados. No entanto, essa atitude de precaução adotada na Europa foi encarada pelos consumidores como se o uso dos aditivos em medicina veterinária causasse a resistência bacteriana. Os consumidores passaram então não só a serem contrários ao uso, mas a também a pressionar as autoridades no sentido de proibir estas substâncias em medicina veterinária. Isto desencadeou uma quantidade enorme de estudos realizados em nível internacional pela FAO [Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação] e OIE [Organização Mundial de Saúde Animal]; e no Brasil pelo Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento] e pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Não é uma questão simples, mas tem sido exaustivamente estudada. Só eu tenho a participação em mais de 100 reuniões que discutem este tema no mundo inteiro.

AI – Nesta questão, há um caso emblemático que foi a proibição em vários países da Avoparcina em produção animal depois de identificado casos de resistência bacteriana à Vancomicina, utilizada em saúde humana. São antibióticos de composição análoga, um utilizado em medicina veterinária e outra em medicina humana. Como o senhor avalia este caso?

Palermo – É uma atitude que não encontra respaldo científico. Existem diversos tipos de resistência. Uma delas é a chamada resistência cruzada, quando uma bactéria resistente a um determinado antimicrobiano também o é a outros que possuem uma estrutura química idêntica ou muito parecida. Vancomicina e Avoparcina são antimicrobianos do mesmo grupo farmacológico, tendo o mesmo mecanismo de ação. Em medicina humana, a Vancomicina é um antibiótico muito importante, chamado de segunda escolha. É utilizado em tratamentos contra infecções intestinais causadas por Enterococcus spp., frequentes em pacientes imunodeprimidos, como os que passam por quimioterapia ou radioterapia ou até mesmo aidéticos. É uma molécula extremamente relevante. Quando se detectou bactérias resistentes à Vancomicina, a Europa atribuiu pelo menos parte do problema ao uso da Avoparcina como aditivo em produção animal. Uma relação que nunca foi provada. Existem inúmeros países que sempre utilizaram a Avoparcina e nunca registraram casos de bactérias resistentes à Vancomicina. A resistência à Vancomicina, ao que parece, foi causada muito mais por um uso indevido dela em medicina humana do que decorrente de uma resistência cruzada. No entanto, como existia a possibilidade da resistência cruzada, a União Europeia baniu esta molécula da produção animal. Foi a primeira molécula a ser banida, causando uma polêmica internacional muito grande. 

AI – O Brasil foi um dos países que adotou a mesma postura, banindo a Avoparcina da produção animal. O que levou o país a esta decisão? Pressão internacional?

Palermo – Como foram descobertas no Rio Grande do Sul bactérias resistentes à Vancomicina, a atitude imediata foi adotar a mesma postura da Europa. Uma decisão tomada sem a montagem de um grupo de trabalho específico para análise da questão. O Ministério da Agricultura – talvez até pela pressão internacional existente na época – resolveu também banir o uso da Avoparcina da produção animal. Mas, é um banimento sem embasamento científico, feito por precaução, atitude estranha ao Brasil. Quando digo que não tem embasamento científico, não significa que a medida foi errada. O gerenciamento de risco – neste caso, o aparecimento de uma bactéria resistente – pode ser feito de diferentes maneiras: politicamente, preventivamente ou por outros interesses que não só os embasados em dados científicos. Ocorre que o Brasil costuma embasar suas decisões nos dados do Codex Alimentarius, que é capitaneado pela FAO e OMS [Organização Mundial de Saúde], organismos internacionais que trabalham apenas com informações de base científica. É de se estranhar que o Brasil, seguidor do Codex, tenha adotado uma atitude de precaução no caso da Avoparcina. 

AI – Pelo que o senhor comentou, nenhum estudo científico comprova a relação direta entre o uso da Avoparcina em produção animal e o desenvolvimento de bactérias resistentes à Vancomicina?

Palermo – Embora exista a resistência cruzada entre Avoparcina e Vancomicina, nunca se comprovou categoricamente que este tipo de resistência à Vancomicina seja oriundo do uso da Avoparcina na produção animal. Se assim o fosse, os primeiros a ficarem doentes seriam os médicos veterinários e os tratados lá no campo. Não é o que ocorre. O local de maior incidência de bactérias resistentes é nas UTI’s dos hospitais humanos. Tanto é verdade que os pacientes não podem ficar lá por mais de dois ou três dias, principalmente quando apresentam ferimentos abertos. Em pessoas traqueostomizadas ou com agulhas inseridas para ministração de fluidoterapia, por exemplo, é comum o aparecimento de infecções por bactérias resistentes ou não. Não há nada de errado nisto. Neste local é onde mais se usam os antimicrobianos, portanto é lá que as bactérias se tornam mais resistentes. Só que é mais fácil “jogar a culpa no vizinho”; dizer que o veterinário é o culpado. 

AI – A posição adotada pelo Brasil em relação à Avoparcina, proibindo seu uso em produção animal, é único ou há outros casos semelhantes no país?

Palermo – O Brasil segue o Codex Alimentarius. Quando ele traz alguma nova determinação, o país acompanha. Recentemente, o Codex concluiu um grupo de trabalho bastante grande sobre a questão dos antimicrobianos, com uma participação muito ativa do Brasil. Um dos resultados foi uma recomendação para que as moléculas antimicrobianas chamadas de criticamente importantes não fossem mais utilizadas como aditivos em animais de produção. São chamadas de criticamente importantes por serem a primeira escolha em tratamento de infecções humanas e veterinárias, no caso: cefalosporinas de terceira e quarta gerações; macrolídeos; quinolonas e fluoroquinolonas. O Brasil, atendendo a esta recomendação, retirou estas moléculas de uso como aditivos, estando liberadas para aplicação terapêutica. Por que esta diferença? Porque terapeuticamente se dá uma dose maior por um tempo menor. Portanto, a possibilidade de desenvolver resistência é muito pequena. Como no Brasil havia duas moléculas de macrolídeos sendo usadas, o Ministério da Agricultura instituiu um grupo de trabalho, o qual, aliás, eu presidi. Este grupo propôs a retirada destas duas moléculas do uso como aditivo, medida adotada pelo ministério. Mas, isto foi feito porque a Ciência indicava; havia por traz da decisão todo um embasamento científico. 

AI – O senhor havia citado que há novos antimicrobianos desenvolvidos com moléculas antigas, mas não novas moléculas. Por que o setor veterinário ou farmacêutico não trabalha no desenvolvimento de novos antibióticos?

Palermo – Porque ninguém trabalha por trabalhar. A indústria farmacêutica só pesquisa se ela vislumbra a possibilidade de um retorno financeiro de seu investimento, como ocorre em qualquer setor industrial ou negócio. Desenvolver uma molécula que se transformará em um medicamento é algo muito caro, demorado e trabalhoso. São necessários ensaios subclínicos com animais de laboratórios em curto, médio e longo prazos; sendo este longo prazo dois a três anos de administração contínua da molécula em estudo. Isto custo muito dinheiro. A conclusão, pelo menos na área veterinária, especificamente em antimicrobianos, é que se investe muito e na hora de utilizar clinicamente o produto, ele pode ser proibido. O consumidor pode afirmar que aquela molécula específica deixa resíduos na carne ou desenvolve resistência bacteriana e, por uma atitude política, sem critérios científicos, o uso é banido. Não há retorno financeiro garantido frente ao investimento que se faz. Por traz de todas as moléculas banidas, há uma história de pesquisa e investimento. Penso ser este um dos grandes fatores que desmotivaram a indústria farmacêutica veterinária a buscar novas moléculas antimicrobianas. É muito caro desenvolver, não há a certeza da liberação, o produto pode ser questionado do ponto de vista residual ou de resistência bacteriana. Além disso, há o risco de medidas como o banimento serem adotadas sem nenhum critério científico pela União Européia, por exemplo, e serem replicadas da mesma forma em outros países. 

AI – Com o banimento dos antimicrobianos como aditivos em produção animal, os casos de resistência bacteriana diminuíram na Europa?

Palermo – Tanto quanto eu saiba, por documentos da própria União Europeia, não houve nenhuma redução da resistência bacteriana. Na verdade, muitos países europeus estão preocupados com o ressurgimento de casos de enterite necrótica em suínos ou e ileíte necrótica em frangos. A enfermidade tem como causa bactérias que antes eram controladas pelos antimicrobianos em seu uso como aditivo ou de maneira profilática. O banimento destas formas de aplicação resultaram no aumento das enterites bacterianas na Europa, provocadas principalmente por Clostridium. Consequentemente, a quantidade de antimicrobianos usados na União Europeia não diminuiu. Eles deixaram de ser utilizados como aditivos, mas o seu uso dentro dos controles terapêuticos passou a ser muito maior. Ainda não há registro de nenhuma redução no número de bactérias resistentes, pelo menos dentro de parâmetros que possam ser considerados significativos. Talvez demore mais tempo para se ter a visão de um possível efeito benéfico deste banimento. Na área veterinária, a única ocorrência real foi o aumento das doenças anteriormente controladas pelos antimicrobianos, que eram utilizados tanto na forma de aditivos como profilática, como é o caso das enterites. Infelizmente ainda não surtiu o efeito esperado pelas autoridades europeias, pelo menos até onde eu saiba. 

AI – Não é um contrassenso da União Europeia o fato de os mesmos antimicrobianos proibidos para uso como aditivos estarem liberados para aplicação terapêutica dentro das produções animais?

Palermo – Eles não questionam a molécula, questionam o uso. Há uma idéia errada; perceptível ao conversarmos com médicos ou pessoas sem contato com a prática da medicina veterinária. O médico trata um indivíduo doente. Em medicina veterinária tratamos uma população. No trabalho com animais de produção, o tratamento não é feito apenas em uma galinha, um frango ou um suíno que esteja doente. Os animais são praticamente “clones” uns dos outros. As criações possuem 50 mil aves ou cinco mil suínos. Todos são da mesma idade, da mesma linhagem, com o mesmo estado imunológico. Eles comem a mesma comida, bebem a mesma água, respiram o mesmo ar e estão confinados em um mesmo local. Se alguns ficam doentes, é evidente que todos irão ficar. Por isto é feita a chamada medicação massal, na qual os animais são tratados todos de uma vez. Não se faz isto em medicina humana, mas é muito comum em medicina veterinária.

AI – As pessoas estranham esta forma de tratamento?

Palermo – O médico ou as pessoas que estão legislando sobre resistência bacteriana estranham o tratamento massal e passam a achar que ele é feito de maneira indiscriminada. Mas, não é isto que ocorre. Qual a única forma de medicar um número enorme de animais? Não dá para pegar ave por ave para dar injeção ou administrar individualmente o medicamento via oral. O que se é obrigado a fazer? Misturar na comida ou na água de bebida. Os médicos e legisladores não conseguem compreender isto. Acreditam que como é misturado à alimentação ou água, o uso é indiscriminado. Só que não é. O medicamento está sendo ofertado da maneira correta, na dose correta e da única forma em que isto é possível frente as dimensões dos criatórios.

AI – Até porque as doses das misturas são determinadas dentro de critérios técnicos e por legislações específicas?

Palermo – Não é porque todos os animais recebem o medicamento de uma única vez via ração ou água, que não há controle da dose. Os técnicos projetam o quanto come ou bebe cada animal, calculando os volumes necessários à mistura para que cada indivíduo ingira a quantidade correta. Sem o tratamento adequado da doença, os animais morreriam. O produtor estaria jogando dinheiro fora. Hoje, a medicina veterinária aplicada à produção animal é extremamente criteriosa. Grande parte da produção é exportada e qualquer análise internacional que detecte um problema e insira um manejo pouco discutido, gera um impacto econômico muito grande. Ninguém joga dinheiro fora e custa caro medicar os animais. Se você medica errado, não só os animais não se curam, como podem morrer ou acarretar resíduos na carne. Em veterinária, ninguém brinca em serviço. 

AI – O banimento dos antimicrobianos como aditivos na União Européia foi uma decisão política, pelo que o senhor citou. Qual postura os médicos veterinários europeus ou mesmo os pesquisadores da área de produção animal adotaram em relação a esta medida?

Palermo – Os veterinários europeus apresentaram um estudo antes do banimento. O documento apontava não haver razões científicas que justificassem banir os antimicrobianos da produção animal. Só que este estudo não foi considerado pelas autoridades europeias. Países como Suécia e Dinamarca pressionaram muito pelo banimento. Eles mantinham há anos um controle muito rígido sobre o uso de antimicrobianos, mesmo por seres humanos. Com a criação da União Européia, estes países já possuidores de uma legislação desenvolvida e rígida sobre o tema, a impuseram para todos os outros integrantes do bloco. Há países na Europa preocupados com as consequências da enterite necrótica. Não se perguntou muito para os outros países o que eles pensavam sobre o tema. Foi uma decisão imposta pelos mais desenvolvidos. Para você ter uma ideia, na Suécia, o indivíduo só pode tomar antibiótico depois de ter feito um antibiograma. É colhido material da pessoa, feito o antibiograma e a partir deste resultado é indicado o antibiótico adequado e na dose correta. Eles não receitam antibióticos para ninguém, nem para animais, sem esta prova de sensibilidade. Só que isto é Suécia, Holanda. A realidade deles não é a da Europa toda e, muito menos aquela do Brasil. O Brasil é um país tropical, subtropical, onde há infecções e parasitoses muito facilmente diagnosticadas nos animais. Pergunto: quando você vai ao médico ele te pede um antibiograma antes de receitar um antibiótico? Não. Nossa realidade está muito distante da deles. Pretendem copiar aqui medidas adotadas que talvez sejam apropriadas lá, que talvez não sejam acertadas aqui. Não é porque algo é bom para a Europa que será, também para o Brasil. 

AI – Um dos argumentos de quem defende o banimento dos antimicrobianos da produção animal é o de que ele é adicionado às rações em doses subterapêuticas. Este argumento é válido?

Palermo – Não. A dose subterapêutica é menor do que a terapêutica, que só é administrada no caso de tratamento de animais doentes. Quando se administra doses menores, o foco não é tratar uma infecção. Buscam-se outros efeitos, como aumento no ganho de peso ou a prevenção de problemas decorrentes de desiquilíbrio na microbiota intestinal. O objetivo é impedir que os animais fiquem doentes, não trata-los. É uma dose pequena que se usa, mas ela é efetiva. Terá uma ação saneante na microbiota do trato gastrintestinal, regularizando-a de tal forma a prevenir enterites; ela irá preservar a permeabilidade da mucosa intestinal, garantindo uma boa absorção dos nutrientes da ração. Consequentemente, com melhorias em ganho de peso e conversão alimentar. Mesmo sem sinais clínicos, uma enterite sub-clínica caracteriza-se por presença de edema na mucosa, pontos inflamatórios nos vilos, impedindo a correta absorção dos nutrientes. Isto representa um problema para o pleno desenvolvimento do animal. Agora, claro que esta dose menor é subterapêutica, mas é efetiva para o que se propõe. Não precisamos dar uma dose terapêutica para obter este efeito preventivo. E não há nenhum problema nisto. De novo: há uma confusão entre o que é feito em medicina humana com o que é realizado em medicina veterinária. São coisas diferentes. 

AI – Há uma tendência de outros países adotarem a mesma postura da União Europeia, banindo completamente os antimicrobianos como aditivos da produção animal?

Palermo – Não creio, embora haja uma forte pressão para que isto aconteça. De modo geral, os países seguem as determinações do Codex Alimentarius. O Codex recomendou o não uso dos antimicrobianos chamados de criticamente importantes, por exemplo. Normalmente uma orientação como esta é seguida por todos os países. Evidentemente, cada um tem liberdade para adotar os critérios que julgar mais adequados no gerenciamento de risco. Repito, este gerenciamento pode ter razões outras que não apenas científicas. Alguns países seguiram a União Europeia, outros não. A Austrália, os Estados Unidos e diferentes países da América do Sul continuam a utilizar os antimicrobianos como aditivos. Ocorre que os europeus não aceitam importações de produtos oriundos de criações onde se usa antimicrobianos como aditivos. O que é compreensível, porque seria desleal com o produtor europeu. Se ele não pode utilizar lá, não é justo comprar de locais que os adotam. Quem exporta para a União Europeia tem que manter produções segregadas sem o uso de antimicrobianos como aditivos. Mas isto é uma opção da empresa exportadora, não uma decisão do país. Recentemente, por pressão, os Estados Unidos deixaram voluntária a indicação dos antimicrobianos como aditivos. Os próprios laboratórios farmacêuticos podem ou não recomendar na bula o uso como aditivo, indicando a dose. Será uma opção do laboratório. Mas, não houve proibição por lei do uso. 

AI – É possível produzir aves e suínos de maneira eficiente sem o uso dos antimicrobianos como aditivos?

Palermo – Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas na tentativa de substituir os antimicrobianos por outras substâncias, como probióticos, prebióticos, alguns extratos de plantas, como: extrato de alho, de noz moscada, de canela, acidificação da água, etc.. São estudos bem preliminares e podem ter futuro. Os mais adiantados são com os probióticos, com os quais se pretende regularizar a microbiota intestinal através da administração de bactérias de uma flora boa. Eles produzem um bom efeito, mas não se consegue ainda usar estes produtos em grande escala de produção. É possível que no futuro se consiga. Hoje, acho muito difícil, principalmente se considerarmos países tropicais e subtropicais como o Brasil. Clima onde as bactérias persistem no meio ambiente por mais tempo, com temperaturas ideais para a multiplicação. Não dá ainda para criar tantos frangos e suínos no mesmo espaço sem usar os aditivos antimicrobianos. Repito, são substâncias que regulam as bactéricas na microbiota intestinal, evitando perdas de ganho de peso porque permitem uma correta absorção dos nutrientes. Hoje, entre o nascer de um pintinho e o seu abate são trinta e poucos dias. Imagine 50 mil aves, o que representa um dia de atraso no período de abate. Quanto come uma ave? Multiplique por 50 mil e veja quantas toneladas de ração a mais serão necessárias. Gastando mais para produzir, o produto fica mais caro na gôndola do supermercado. Tanto, que os ditos orgânicos, livres de agrotóxicos, livres de antibióticos custam mais. E são mais caros de se produzir mesmo. Todo o manejo diferenciado resulta em mais tempo para abate, o que significa que estes animais irão comer muito mais. 

AI – A questão da resistência bacteriana é algo recente? Surge depois dos antimicrobianos?

Palermo – A cadeia de resistência bacteriana é muito complicada. Vou te contar uma história para que você tenha a dimensão disto. Há não muito tempo tive acesso a um estudo científico bem interessante. Médicos cientistas solicitaram uma autorização ao governo do Egito para pesquisar material genético proveniente de ossos de múmias do período pré-dinastico até os primórdios das dinastias faraônicas. Dentro deste período, se descobriu que houve uma epidemia de turbeculose. Muitos morreram vitimados pela doença, o que foi comprovado pelo isolamento do DNA de Mycobacterium tuberculosis no interior dos ossos destas múmias. Curiosamente, alguns dos DNAs extraídos correspondem ao de bactérias resistentes. Em uma época em que sequer existiam antimicrobianos, já havia bactérias resistentes. O que eu quero dizer com isto. Resistência bacteriana não é algo anormal, é perfeitamente natural.

AI – Seria uma forma natural de ela sobreviver no ambiente.

Palermo – A bactéria quer sobreviver; da mesma forma que você, eu ou qualquer ser vivo. Dentro do processo de seleção natural, ela tenta se adaptar ao meio. Se no meio há antimicrobianos, vai tentar se adaptar a eles. Uma das formas de ela fazer isto é promovendo alterações genéticas que a permitam sobreviver mesmo na presença dos antibióticos. Processo que a torna resistente; e para isto há várias estratégias. A bactéria pode desenvolver uma chamada bomba de extrusão. A cada tentativa de o antibiótico entrar nela, ele é jogado para fora. Outra estratégia adotada pelas bactérias é a seguinte. O antimicrobiano, para produzir seu efeito, tem de se ligar a um receptor no interior da bactéria. Ela pode modificar este receptor, impedindo a molécula antimicrobiana de se conectar. Os agentes bacterianos podem ainda produzir uma enzima que destrói o antimicrobiano. São estratégias que ela adota para tentar sobreviver. É algo absolutamente natural, que sempre existiu e sempre irá existir. O foco da questão é saber lidar com esta situação.

AI – Qual seria a melhor forma de fazer isto?

Palermo – Uma das formas de retardar o desenvolvimento da resistência bacteriana é utilizar de forma prudente os antimicrobianos, tanto em medicina humana quanto em medicina veterinária. Não basta culpar única e exclusivamente a veterinária. No Brasil, até uns anos atrás, era possível comprar antibióticos livremente em qualquer farmácia. Só agora se tornou obrigatório a apresentação de receita médica, algo que provavelmente irá ocorrer também na área veterinária. Já existe, por exemplo, uma obrigatoriedade de receituário veterinário para a fabricação de rações medicadas com antimicrobianos. Os cuidados estão sendo tomados. Neste aspecto, o Ministério da Agricultura está bem ativo e a indústria farmacêutica veterinária consciente. Não acho que o uso dos antimicrobianos como aditivos deva ser proibido no Brasil. No momento temos onze moléculas usadas, as quais acho que devem ser preservadas. Isto é possível de ser feito com o uso prudente delas, sem proibir. Mas desconheço o futuro, é ele quem vai dizer.

Palermo foi o entrevistado da edição 1235 da revista Avicultura Industrial. O acesso está liberado para todos, gratuitamente. Saiba como acessar a edição aqui.