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Negócios

Os planos de Ricardo Faria, um dos maiores donos de terras do país

O empresário Ricardo Faria se tornou um dos maiores produtores de grãos do país. Agora se prepara para abrir novas frentes no setor

Os planos de Ricardo Faria, um dos maiores donos de terras do país

Tudo no campo começa cedo. A viagem com duração de 3 horas em direção à Fazenda Ipê vem se tornando parte da rotina de Faria desde que ele comprou, no começo de novembro, a Insolo Agroindustrial por 1,8 bilhão de reais, empresa que pertencia a um fundo cujos recursos são do endowment da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

O negócio bilionário foi a mais recente tacada do empresário catarinense, que começou no fim dos anos 1990 com a Lavebras, uma lavanderia industrial, e se tornou um gigante no agronegócio em menos de 15 anos.

Dono da Granja Faria, que produz 7 milhões de ovos por dia, e à frente de mais de 120.000 hectares com lavouras de grãos, Faria já fatura mais de 2 bilhões de reais no campo. E, para 2022, o crescimento esperado é superior a 20%, sem considerar novas aquisições. Monitorar constantemente possíveis compras é parte essencial da estratégia de negócios do novo expoente do agro.

Nas 24 horas em que a reportagem da EXAME acompanhou Faria na visita à fazenda de 35.000 hectares no Piauí, o empresário percorreu a propriedade ao lado de seu braço direito, o engenheiro-agrônomo Flavio Inoue, CEO da companhia, que mora em Balsas, no Maranhão, cidade de 100.000 habitantes próxima à propriedade. O momento é de extrema atenção na fazenda: a soja, principal lavoura ali, havia sido semeada há poucas semanas. Um plantio malsucedido pode colocar em risco a alta produtividade de uma safra.

Faria ainda é um iniciante no mercado de grãos. Foi em 2020 que ele fundou a Terrus, ao investir 300 milhões de reais na compra de terras no Maranhão, Tocantins e Piauí. Por isso, o empreendedor coloca em prática o velho ditado do campo de que “o olho do dono é que engorda o gado”.

Em geral, Faria visita duas vezes por mês todas as fazendas do grupo. Na visita à Ipê, por exemplo, quis saber por que em determinado local, uma área de menos de 30 metros quadrados, as sementes não haviam vingado. E, quando o sinal de internet falhou, imediatamente pediu ao CEO para tomar providências com a operadora. “Sempre quis ter negócios no campo. O Brasil sempre será competitivo no agronegócio. Com o preço da terra cada vez mais alto, eu sabia que tinha de começar grande”, diz Faria.

Da lavanderia ao Agro

O empresário afirma que não chegou ao campo por acaso. Ele considera a Lavebras quase um desvio de rota em sua história. Em 1997, ele investiu 16.000 dólares na empreitada e, em maio de 2017, vendeu o negócio por 1,7 bilhão de reais para o grupo francês Elis. Foi de lá que veio o patrimônio que permitiu sua estratégia “Usain Bolt” no agro, retomando uma antiga ambição. Filho de pai médico e mãe engenheira, Faria estava pronto para seguir os passos do pai quando decidiu fazer um intercâmbio nos Estados Unidos. Seu tutor americano era representante de uma grande indústria química nas vendas para as fazendas de fruta da região.

Ele costuma brincar que foi para lá médico e voltou agrônomo, pois se apaixonou por fazendas. Quando retornou, no lugar de prestar vestibular para medicina, escolheu engenharia agrônoma na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Lá, começou uma confecção de uniformes industriais, apenas porque não queria depender do dinheiro dos pais. Dali, viu a oportunidade da lavanderia. Foi da relação de fornecedor de uniformes limpos para a então Perdigão que nasceu sua primeira aposta no agro, com a criação da Granja Faria. Assim, mirar investimentos no campo foi algo natural assim que vendeu a Lavebras. O ritmo recente é de velocista.

A estratégia de Faria tem sido se colocar em segmentos de forte demanda, o que ele chama de “vento de cauda a favor”, e nos quais novas tecnologias permitem dar saltos de produtividade. Assim foi da granja para os grãos — com a Insolo, tornou-se o quinto maior produtor nacional, com 120.000 hectares plantados na safra 2021/2022. Na próxima safra, com os ganhos de eficiência possíveis com a tecnologia, a expectativa é que a área plantada alcance 150.000 hectares. A receita nesse negócio deverá passar de 1 bilhão para 1,3 bilhão de reais. Além de um dos maiores produtores, Faria é provavelmente o maior proprietário individual de terras do país, já que, entre os grandes produtores, apenas ele é dono único da operação. A maior do setor, a SLC Agrícola, é uma companhia de capital pulverizado na B3, ou seja, sem controlador.

Soja para o mundo

Amante do tênis, Faria segue uma dieta voltada para performance de alto rendimento e faz 15 horas de exercícios semanais. No campo, a ciência e a tecnologia são suas armas para se manter na dianteira de um mercado cada vez mais competitivo. Na Fazenda Ipê, por exemplo, 120 modernos pluviômetros monitoram o nível e a distribuição das chuvas na propriedade. Equipados com sensores e antenas, os aparelhos transmitem em tempo real os dados sobre onde choveu (e quanto), que são visualizados no centro de comando da fazenda. No Brasil, menos de 30% das fazendas utilizam sistemas de pluviometria digital, já que a conectividade no campo é um desafio para a maioria das propriedades rurais. Para ter a tecnologia, foi instalada uma torre de celular para que a internet 4G chegasse à Ipê.

Assim como nas fazendas do grupo Faria, a obsessão pelo aumento da produtividade foi o que ajudou a transformar o agronegócio brasileiro em uma força que move o PIB — hoje, o campo é responsável por praticamente um quarto da geração de riquezas no país. Nesse cenário, a soja é a grande estrela. Depois de bater um recorde de produção em 2020, a previsão é de mais uma safra recorde, com uma colheita de 137,3 milhões de toneladas, quase 10% mais do que no ano passado.

“Investimentos constantes em maquinário, sementes adaptadas e altos padrões de produtividade explicam esse crescimento”, diz o economista José Garcia Gasques, coordenador-geral de Avaliação de Políticas e Informação da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura. Para 2022, a expectativa é de mais um salto de crescimento, com a produção de 142 milhões de toneladas de soja. Hoje, o Brasil já ocupa o posto de maior produtor mundial de soja, com quase 40% da safra global, seguido por Estados Unidos e Argentina, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Do ovo à omelete

Apesar das geadas que prejudicaram o resultado do campo neste ano, o Brasil deverá fechar 2021 com a marca de 1 trilhão de reais de faturamento no setor agropecuário — ou seja, tudo o que é produzido dentro das porteiras. O valor é recorde e tem sido puxado pelo aumento das exportações, que deverão somar quase 120 bilhões de reais, 20% mais do que em 2020, e pela valorização das commodities no mercado internacional. Em 2022, a expectativa é que o faturamento do agronegócio cresça na casa dos 3%, bem acima da média da economia, com a retomada dos níveis de produção de milho e de outras culturas, de acordo com projeções do Ipea.

“A China, nosso principal comprador, deverá continuar a importar grandes quantidades de soja para abastecer seus criadouros por causa da demanda crescente da população, em plena ascensão socioeconômica, por proteínas”, diz o economista José Ronaldo Souza Júnior, diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Ipea. “E não é só a China, boa parte da Ásia segue a mesma tendência.”

Eggy

Decidido a entrar no setor de produção de grãos e preocupado com o preço da terra, Faria focou sua atenção para a região do Matopiba, na divisa entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Para quem vê a tecnologia como aliada, a região, pelas terras planas e mais baratas, tornou-se um dos polos de produção do país a partir de mea­dos dos anos 1980. O Piauí, além de tudo, é considerado um local ideal para a produção de algodão, um dos cultivos que estão no radar de Faria.

E a Insolo era a oportunidade perfeita para os planos do empresário, pois a fazenda vem de um processo de modernização e pesquisa conduzido pela gestão de Harvard. O endowment, fundo patrimonial mantenedor de uma das mais famosas universidades do mundo, tem mais de 40 bilhões de dólares sob gestão e um patrimônio significativo no agronegócio, inclusive no Brasil. As propriedades usavam as mais avançadas tecnologias de cultivo. Quando a universidade decidiu se desfazer de alguns ativos, Faria surgiu como interessado — e ofereceu pagamento à vista.

Se a aposta de Faria no agronegócio exportador vem se provando acertada, seus negócios que miram o mercado consumidor no Brasil também têm ido muito bem. A Granja Faria, que o empresário fundou em 2006, se tornou um fenômeno de crescimento — o faturamento passou de 184 milhões de reais há quatro anos para nada menos do que 785 milhões de reais em 2020. Neste ano deverá chegar a 1,2 bilhão de reais, número que a coloca à frente das concorrentes Granja Mantiqueira e Yabuta. São 21 unidades espalhadas pelo país, que produzem 7,2 milhões de ovos por dia — ou 2,5 bilhões por ano. Se colocados enfileirados, todos os ovos produzidos pela empresa em um ano dariam duas voltas e meia ao redor do planeta Terra.

Dona de 5% da produção nacional de ovos, a empresa exporta para dez países, do Paraguai à Arábia Saudita. A expansão do negócio acompanha o aumento do consumo de ovos na população brasileira. Se no início dos anos 2000 cada brasileiro comia em média 94 ovos por ano, em 2020 foram consumidos 251 ovos per capita no país. Neste ano, a demanda deverá subir ainda mais, atingindo a marca de 255 unidades por pessoa. Deverão chegar ao mercado mais de 54,5 bilhões de ovos, o equivalente a 1.728 ovos por segundo, de acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). A alta da inflação, que vem impactando fortemente itens da cesta básica, como a carne bovina, é um dos principais fatores por trás da expansão da demanda.

Crescimento contínuo

Quais são os próximos passos? Faria costuma ver novas frentes de negócio dentro de suas próprias operações. A lavanderia nasceu da confecção. E, em 2015, a tentativa de conquistar um cliente virou uma sociedade. Foi conversar com Edson Bueno, então dono da Amil, sobre os serviços da Lavebras. Saiu com um investidor. Bueno colocou 115 milhões de reais na operação e ficou com 30% da empresa. Antes de três anos, recebeu por esse investimento pouco mais de 400 milhões de reais.

“O retorno foi de 3,5 vezes o investimento”, afirma Faria. Da Granja Faria, agora começa a nascer até restaurante. Para ficar mais perto do consumidor, além de iniciar a venda de ovos diretamente ao cliente final por meio de assinaturas, o empresário tomou uma decisão inusitada: abrir um fast-food (saudável) em que o ingrediente principal do cardápio é o ovo. O plano é transformar o Eggy numa rede de restaurantes, e de quebra conseguir informações sobre como as pessoas preferem seus ovos.

Depois de desbravar a avicultura e o campo, o empresário já sabe qual é a próxima fronteira a ser explorada: a da biotecnologia, com biofertilizantes e biodefensivos. Dessa frente deve nascer uma parceria do empresário com o mercado de capitais. Até hoje, ele se financiou com capital próprio, prazo dos vendedores e linhas de crédito. Mas, quando o tema é pesquisa e biotecnologia, as cifras podem ser ainda maiores.

A oportunidade dos biofertilizantes nasceu dentro da própria Granja Faria. O empresário percebeu a fila de caminhões que se formava nas granjas para buscar o resíduo das galinhas e foi atrás de descobrir como poderia não apenas vender para produtores locais mas agregar valor para que o custo do frete não fosse empecilho para fornecer para longe. Comprou as sobras de uma mina de fosfato, pois o segredo é misturar o pó de rocha a bactérias locais antes de aplicar no campo. Neste ano, conseguiu uma receita de 18 milhões de reais. No próximo ano esse valor vai ser multiplicado por seis, devendo alcançar 120 milhões.

A Insolo também guarda uma joia bruta em sua operação, herança das pesquisas de Harvard na região. A Fazenda Ipê tem uma grande frente de biodefensivos — fungos e bactérias — que substituem agrotóxicos no plantio. Por enquanto, a produção atende apenas à própria fazenda, que tem a maior área com aplicação de biodefensivos do país. O objetivo de Faria é banir por completo os defensivos químicos de toda a produção da Insolo dentro de cinco anos e explorar comercialmente o sopão de fungos e bactérias.

O empresário já está preparando a atividade para uma cisão dentro de aproximadamente um ano. O objetivo é que esteja pronta para atrair um sócio em 2024, assim que iniciar a venda do produto para terceiros. Dessa operação Faria vê futuro para mais uma empresa na B3 e pensa em uma oferta pública inicial (IPO). O agronegócio, tão grande para o país, pode ganhar mais um representante na bolsa, onde sua participação ainda é pífia diante do potencial.

Agro5

Gestão

Da Lavebras, além do patrimônio, Faria levou para o agronegócio uma estratégia de gestão de pessoas mais arrojada. “Em minhas empresas, o colaborador tem direito a remuneração variável, plano de carreira e uma série de benefícios”, diz. “Não seria diferente na Insolo.” Além de participação nos lucros, os principais executivos também têm direito a um plano de ações das empresas.

“É a melhor maneira de engajar os colaboradores.” Na lista de iniciativas de recursos humanos do empresário estão raridades como programa de trainee e de diversidade de gênero.

A visão participativa ainda é escassa no campo e traz para o empresário um importante potencial de diferenciação e atração de talentos. O setor ainda é, no Brasil, repleto de famílias tradicionais. Entretanto, vem passando por um processo de modernização que vai além da tecnologia. Em diversos grupos, a segunda ou terceira geração está levando às fazendas — depois de estudar as melhores práticas de administração, muitas vezes fora do Brasil — uma visão mais moderna de como cuidar dos negócios.

O que Faria se propôs a fazer não é trivial: brigar com os maiores e mais experientes do setor em um mercado que enfrenta intempéries reais, como as geadas que desafiaram a última safra nacional, e a elevada volatilidade dos preços. São problemas muito diferentes dos desafios que teve até hoje com a Lavebras e a Granja Faria.

A tradição agrária secular do Brasil fez com que o agronegócio e o mercado de capitais ficassem separados por muito tempo, mas o cenário vem se modificando. Um modelo de gestão azeitado é importante, porém o fôlego que o acesso estrutural a recursos dá pode fazer toda a diferença. Expoente maior dessa realidade é a SLC Agrícola. A companhia, que vale 7,15 bilhões de reais na B3 e é uma das raras produtoras de grãos de capital aberto, fez sua oferta pública inicial (IPO) em 2007, quando o agro timidamente começava a participar do pregão com os então frigoríficos.

Há poucos meses, a companhia assumiu a posição de líder em produção após uma transação com a Terra Santa, acrescentando em uma só tacada cerca de 200.000 hectares à sua capacidade, que era de 450.000 hectares. A bolsa é um caminho natural para quem deseja ganhar escala e competir, de um lado, com gigantes como Cargill e ADM e, de outro, com startups inovadoras que nascem a cada semana. É um roteiro visto em mercados vizinhos ao de grãos, como o de carne e o de energia.

A JBS conquistou sua posição de maior produtora de proteína animal depois de listar suas ações, e a Raízen, uma promessa em tecnologia para o etanol de segunda geração, fez uma das maiores listagens de 2021. O segmento de insumos agrícolas ganhou três representantes na bolsa brasileira só neste ano — Agrogalaxy, 3tentos e Vittia. Caso mantenha a velocidade de expansão, Ricardo Faria precisará ainda mais do avião — para se dividir entre a Baixa Grande do Ribeiro e a Faria Lima, a meca financeira de São Paulo.