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2030 é amanhã

Qual deve ser a prioridade das prioridades da política social e econômica dos próximos governos? Leia artigo de Antonio Delfim Netto.

Qual deve ser a prioridade das prioridades da política social e econômica dos próximos governos? Prosseguir na construção de um Estado-indutor com instituições republicanas que, ao lado de cuidarem de aumentar a igualdade de oportunidades com inteligentes políticas de transferência de renda, aperfeiçoem e deem maior eficácia ao nosso sistema produtivo.

O nome do jogo é melhorar, simultaneamente, a eficiência do setor público e insistir nos estímulos corretos ao setor privado, para que o Brasil possa oferecer no futuro oportunidade de emprego de boa qualidade a todos os brasileiros que puderem e estiverem dispostos a trabalhar. E manter o equilíbrio interno (inflação baixa e estável) e externo (balanço em conta corrente sob controle). Isso só pode ser obtido com ampliação quantitativa e qualitativa do mercado interno e a construção de uma poderosa máquina exportadora.

É grave miopia supor que tal objetivo possa ser atingido pelo livre funcionamento dos “mercados”, como asseguram alguns fundamentalistas. E trágica ilusão supor que se possa atingi-lo mobilizando o Estado-produtor, como aspiram nostálgicos adoradores do velho “planejamento sem preços”. A solução é um Estado-indutor, cuja estratégia seja construir bons “mercados” e tenha poder suficiente para regulá-los adequadamente.

O Brasil precisa pensar seriamente o seu futuro
É evidente que isso exige entender o mundo em que vivemos e tentar antecipar o mundo em que viveremos, para que nele possamos nos inserir usando todas as nossas vantagens comparativas. Um olhar mesmo superficial sobre a estrutura econômica do mundo atual revela a formação de três sistemas produtivos que orbitam em torno de alguns atratores. O primeiro, a Nafta (EUA, Canadá e México) tem como centro os EUA; o segundo, a Europa dos 27 países, cujo núcleo é Alemanha, França e Inglaterra, e o terceiro é a Ásia, cujo centro é a China. A tabela abaixo dá uma ideia da dimensão de cada grupo pela importância dos seus PIBs, medidos em paridade de poder de compra, com relação ao PIB mundial (2009).

O Brasil e o Japão não têm uma situação muito cômoda nesse desenho. O peso da América Latina (maior do que o do Mercosul) na produção mundial não chega a 8% (2,8% dos quais é o próprio Brasil). Se considerarmos o continente americano total (potencialmente a ideia da Alca) esse número salta para quase 35%, um mercado externo apetitoso para nossos setores industrial e de serviços geradores de empregos de boa qualidade. É claro que a Alca tem inconvenientes e vantagens, mas parece que seria importante revê-las sob a nova luz produzida pela desconcertante evolução mundial e a selvagem competição chinesa para ampliar o seu espaço.

Isso, obviamente, não significa deixar de aproveitar as oportunidades de exportação de recursos naturais e alimentos para a China, mesmo porque não temos a quem vendê-los e ela não tem onde comprar. Mas o seu imenso mercado é (e continuará) pouco acessível para nossos produtos industriais e serviços, devido à sua política protecionista inteligente e seletiva.

O que temos de recusar é o modismo vendido como “nova teoria da divisão internacional do trabalho”: à China cabe o mercado industrial, à Índia o mercado de serviços e ao Brasil, ceder seus recursos naturais e produzir alimentos. É cada vez mais evidente que explorar recursos naturais é uma atividade altamente capitalista poupadora de mão de obra, e que a cadeia da produção agrícola (por mais longa e sofisticada que seja) será incapaz de gerar todos os empregos de boa qualidade de que necessitamos. Podemos e devemos continuar a expandi-las com mais investimento e com mais pesquisa, mas não parece razoável esperar que elas possam oferecer emprego decente para os 150 milhões de brasileiros, que terão entre 15 e 65 anos em 2030.

A mudança na estrutura, produzida pelo alto diferencial de crescimento entre os sistemas referidos acima, aumentará a pressão para cada um deles buscar as três autonomias que distinguem o poder nacional: a autonomia alimentar, a autonomia energética e a autonomia militar. Os EUA têm a alimentar e a militar, mas falta a energética, que é a prioridade do governo Obama. A China tem a militar, mas falta-lhe a alimentar e a energética, que ela tenta suprir comprando recursos naturais em outros países, inclusive no Brasil. À Europa faltam a energética e alimentar. Como a Terra é finita, não são boas as perspectivas de longo prazo para que os conflitos de interesse, que aumentarão com o tempo, possam ser resolvidos no teatro de ópera-bufa, que é a Organização das Nações Unidas.

O Brasil precisa pensar seriamente o seu futuro. Deve escolher com clareza o caminho que o levará à contínua melhoria da qualidade das políticas social e econômica internas que temos aplicado nas últimas décadas. Deve procurar acomodar-se externamente no lugar que mais lhe convém num mundo onde os conflitos vão, seguramente, aumentar, o que lhe recomenda colocar suas barbas de molho…

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.